domingo, 13 de novembro de 2016

Mocotó



Consultados os porto-alegrenses mais antigos, os viajantes eventuais e os turistas de ofício, os “gourmets” com diploma passado pelo Luís Fernando Veríssimo, e os simples comilões de subúrbios, recolhi a unânime opinião de que o mocotó (acompanhado pelo seu adjetivo obrigatório, o “suculento”) é o prato mais típico de Porto Alegre. Não quer isso dizer que a nossa capital guarde exclusividade na elaboração da grande sopa, onde a gelatina das patas da rês se somam os mondongos, o feijão branco, alguma linguiça de contrapeso e os necessários temperos, entre os quais a pimenta, a salsa e o ovo picado. Exclusividade, é claro que não temos. Mas Porto Alegre parece ser a única cidade onde, ao despontar o inverno, o mocotó começa a ser oferecido a dias certos, em todos os restaurantes sem sofisticação, desde a Rua Andrade Neves até a Sertório, e desde o Mercado Central até a última tasca da Agronomia.

Nas minhas habituais leituras de jornais antigos, tive o prazer de encontrar o momento em que o mocotó galgava os primeiros degraus de seu vitorioso “marketing”. Desde o ano de 1891, pelo menos, começa-se a achar na imprensa o singelo anúncio de casas de pasto ou hotéis que ofereciam mocotó, às vezes ainda lusitanamente chamado de “mão-de-vaca”. Em 1895, abril, o velho Jornal do Comércio avisava que “esplêndido mocotó encontra-se todos os domingos e dias santificados na casa de negócio à esquina da Azenha e Estrada do Mato Grosso” (o que hoje corresponde à Praça Princesa Isabel), permitindo supor que os comilões quase saíssem da cidade em busca do sopão incrementado.

Pela mesma época, o mocotó fazia seu ingresso na literatura. O folhetim de pretensões realistas. A Tasca, de três autores sob pseudônimo, no capítulo de 14-2-1896, do mesmo jornal, tem um trecho assim: “À porta da rua eram infalíveis, do amanhecer até o meio-dia ou duas da tarde, duas pretas da Costa, (...) uma fritando peixe e outra mexendo, continuadamente, um grande caldeirão de mão-de-vaca, alimento dos operários e trabalhadores que habitavam por aquelas redondezas, e que os enchia como a cônegos, por muito pouco dinheiro”.

A tasca literária de 1896 ficava na Rua Santana, onde é possível que até hoje se encontre algo parecido, exceção feita, obviamente, às “pretas da Costa”.


(Do livro “A Velha Porto Alegre”, 
de Sérgio da Costa Franco – Edigal)


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