(Num de seus inúmeros
depoimentos na Justiça, Zé da Ilha,
“o Saudoso”,
prestou esta declaração no jornal Correio da Manhã,
em 05/05/1959.)
em 05/05/1959.)
“‒ Seu doutor, o patuá é o
seguinte: depois de um gelo da coitadinha, resolvi estiar e caçar uma outra
cabrocha que preparasse a marmita e amarrotasse o meu linho de sabão. Quando
bordejava pelas vias, abasteci a caveira, e troquei por centavos um
embrulhador. Quando então, vi as novas do embrulhador, plantado como um poste
bem na quebrada da rua, veio uma paraqueda se abrindo. Eu dei a dica, ela
bolou. Eu fiz a pista, colei. Solei, ela aí bronqueou. Eu chutei, bronqueou,
mas foi na despistas porque, muito vivaldino, tinha se adernado e visto que o
cargueiro estava lhe comboiando. Morando na jogada, o Zezinho aqui, ficou ao
largo e viu quando o cargueiro jogou a amarração dando a maior sugesta na
recortada. Manobrei e procurei engrupir o pagante, mas sem esperar recebi um
cataplum no pé do ouvido. Aí, dei-lhe um bico com o pisante na altura da
dobradiça, uma muquecada nos mordedores e taquei os dois pés na caixa da
mudança, pondo por terra. Ele se coçou, sacou a máquina e queimou duas
espoletas. Papai muito rápido, virou pulga e fez dunquerque, pois vermelho não combinava com a
cor do meu linho. Durante o boogie, uns e outros me disseram que o sueco era
tira e que iria me fechar o paletó. Não tenho vocação pra presunto e corri.
Peguei uma borracha grande e saltei no fim do carretel, bem vazio da Lapa,
precisamente às quinze para a cor de rosa. Como desde a matina não tinha engolido
gordura, o ronco do meu pandeiro estava me sugerindo sarro. Entrei no china pau
e pedi um boi à Mossoró(1) com confete de casamento e uma barriguda bem morta.
Engolia a gororoba e como o meu era nenhum, pedi ao caixa pra botar no pendura
que depois eu iria esquentar aquela fria. Ia me pirar quando o sueco apareceu.
Dizendo que eu era produto do mangue, foi direto ao médico legal pra me
esculachar. Eu sou preto, mas não sou o Gato Félix. Queimei-me e puxei a
solingen. Fiz uma avenida na caixa de catarro do moço. Ele virou logo América.
Aproveitei a confusão pra me pirar, mas um dedo duro me apontou aos xipófagos e
por isto estou aqui!”
(1) Famoso cavalo vencedor do Grande Prêmio Brasil.
(1) Famoso cavalo vencedor do Grande Prêmio Brasil.
Atordoado, o juiz mandou chamar um “tradutor”
que esclareceu o seguinte:
Tradução do depoimento
‒ Senhor Doutor, a história foi a
seguinte: depois que fui abandonado por minha companheira, resolvi procurar uma
outra que me preparasse a comida e lavasse meus ternos. Quando caminhava pela
rua, entrei num botequim, tomei uma cachaça e comprei um jornal. Depois de ler
as notícias do jornal, encostado num poste, na esquina da rua, vi que uma
morena se aproximava toda faceira. Olhei-a, ela também. Segui-a de longe e
olhando de soslaio para trás, vira que seu companheiro a seguia. Percebendo o jogo,
fiquei de longe e vi quando ele a segurou pelo braço e mandou-a para casa. Fui
saindo, mas antes de poder me afastar mais, o amásio da moça me agrediu.
Revidei dando-lhe com o sapato um chute no peito, um soco no maxilar e de um
salto, com outro chute no peito, joguei-o por terra. Ele sacou sua arma e
atirou, mas eu já havia fugido, porque o sangue não combinava com a cor do meu
temo. Durante a briga, disseram-me que o moço era policial e me mataria. Não
tenho vocação para defunto. Corri e peguei um ônibus, descendo no fim da linha,
no Largo da Lapa, precisamente às 15 para as seis horas (hora do crepúsculo).
Como desde manhã não havia me alimentado, e meu estômago reclamava, entrei num
restaurante chinês e pedi um bife a cavalo com arroz e urna cerveja preta bem
gelada. Tomei a refeição e como não tinha dinheiro, pedi ao caixa para assentar
no caderno que depois eu pagaria a conta. Ia sair quando o policial apareceu.
Disse que eu era malandro, e foi direto ao cozinheiro para falar mal de mim. Eu
sou preto, mas não sou Gato Félix, fiquei aborrecido e puxei da navalha. Agredi
o meu rival. Ele ficou todo ensanguentado. Aproveitei a confusão para fugir,
mas alguém me delatou apontando-me aos “Cosme e Damião” e por isto eu
estou aqui.
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