A Banda X Disparada
(...) Mas o que marcou de fato o
Festival de 1966 foi a disputa entre duas músicas de características bastante
diferentes: A Banda e Disparada.
Eu havia aconselhado o Vandré a olhar
com carinho para a música sertaneja, e creio que devo tê-lo influenciado para
que compusesse Disparada. Difícil foi
convencê-lo a não cantá-la. O Vandré, embora tivesse uma boa presença no palco,
não era muito conhecido e ainda não tinha cancha suficiente para encarar, em um
espetáculo sempre cheio de tensões, uma música que exigia grande força
interpretativa. Quando sugeri o Jair Rodrigues, que já era um grande sucesso no
“Fino da Bossa”, a reação foi de incredulidade. Afinal, o Jair era sambista,
mas nas horas vagas brincava de cantar canções sertanejas, talvez influenciado
pelo seu empresário, o Corumba, que formava com Venâncio uma dupla caipira
famosa. O Vandré foi conferir. Fez alguns ensaios e ficou convencido. Com o
Trio Marayá e o Trio Novo, formado por Heraldo do Monte na viola caipira, Théo
Barros ao violão e Airto Moreira na percussão, montaram um número forte. Uma
queixada de burro, habilmente manipulada na primeira eliminatória por Airto e
na final por Manini, deu o toque final. O Chico se apoiou na tímida, porém
cheia de joelhos e charme, Nara Leão. Os dois se completavam e a inclusão de
uma bandinha de verdade resultou em outro número fortíssimo, apesar da timidez
evidente que ambos demonstravam no palco. As duas foram classificadas para a
final. Estava na cara que uma delas seria a vencedora do festival. Os discos
não paravam de tocar em todas as rádios, e a disputa entre Chico e Vandré virou
o assunto do país. Primeiras páginas de todos os jornais. A brincadeira era:
Você é dos “bandidos” ou dos “disparatados”?
Era incrível que um evento que
acontecia em pequeno auditório, com pouco mais de quinhentos lugares, tivesse
adquirido aquela dimensão. Na noite da finalíssima, os teatros da cidade de São
Paulo suspenderam seus espetáculos por falta de público, os cinemas ficaram às
moscas e as ruas, vazias. Cheguei a receber uma comissão de produtores teatrais
pedindo que mudasse o dia das apresentações do festival.
A apresentação das músicas foi
inesquecível. A plateia dividiu-se. De um lado, a turma universitária que
torcia apaixonadamente pelo seu representante, com o ingênuo e poético desfile
dos personagens de uma cidade que parava para ver a banda passar tocando coisas
de amor. Uma marchinha singela e de poucos atrativos musicais. Do outro, os que
respondiam ao apelo engajado do cavaleiro de laço firme e braço forte de um
reino que não tinha rei. Foi uma apresentação emocionante e consagradora, tanto
para Chico e sua companheira Nara, como para o Vandré, via Jair Rodrigues.
O júri estava reunido e os boatos,
rolando. Ganhou o Chico! Não, ganhou o Vandré! Era de fato uma decisão difícil.
Em uma reunião prévia dos jurados naquela tarde, para criar critérios na
tentativa de evitar que a disputa entre as duas terminasse beneficiando uma
terceira, o que seria desastroso, a tendência parecia dar a vitória ao Chico.
Ficou acertado que a decisão definitiva só aconteceria depois da apresentação
das músicas, para que fosse levada em consideração a reação do público. O
Paulinho de Carvalho temia que destruíssem o teatro caso o resultado não fosse
do agrado daquela gente que, emocionada, cantava as duas favoritas. Era
impossível saber qual era a preferida. Outro papo rolou pelos bastidores: o
Chico não aceitaria a vitória. Eram boatos desencontrados e o júri, embalado
por um dos mais emocionantes espetáculos musicais até então apresentados pela
televisão brasileira, recorde de audiência para programas musicais, votou pelo
empate, recebido pela plateia do Teatro Record com aplausos delirantes. E com
evidente alívio pelo Paulinho de Carvalho.
(Do livro “Prepare
seu coração – A História dos Grandes Festivais”,
de Solano Ribeiro)
de Solano Ribeiro)
A Banda
Estava à toa na vida
O meu amor me chamou
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor
A minha gente sofrida
Despediu-se da dor
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor
O homem sério que contava dinheiro parou
O faroleiro que contava vantagem parou
A namorada que contava as estrelas parou
Para ver, ouvir e dar passagem
A moça triste que vivia calada sorriu
A rosa triste que vivia fechada se abriu
E a meninada toda se assanhou
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor
O velho fraco se esqueceu do cansaço e pensou
Que ainda era moço pra sair no terraço e dançou
A moça feia debruçou na janela
Pensando que a banda tocava pra ela
A marcha alegre se espalhou na avenida e insistiu
A lua cheia que vivia escondida surgiu
Minha cidade toda se enfeitou
Pra ver a banda passar cantando coisas de amor
Mas para meu desencanto
O que era doce acabou
Tudo tomou seu lugar
Depois que a banda passou
E cada qual no seu canto
Em cada canto uma dor
Depois da banda passar
Cantando coisas de amor
O meu amor me chamou
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor
A minha gente sofrida
Despediu-se da dor
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor
O homem sério que contava dinheiro parou
O faroleiro que contava vantagem parou
A namorada que contava as estrelas parou
Para ver, ouvir e dar passagem
A moça triste que vivia calada sorriu
A rosa triste que vivia fechada se abriu
E a meninada toda se assanhou
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor
O velho fraco se esqueceu do cansaço e pensou
Que ainda era moço pra sair no terraço e dançou
A moça feia debruçou na janela
Pensando que a banda tocava pra ela
A marcha alegre se espalhou na avenida e insistiu
A lua cheia que vivia escondida surgiu
Minha cidade toda se enfeitou
Pra ver a banda passar cantando coisas de amor
Mas para meu desencanto
O que era doce acabou
Tudo tomou seu lugar
Depois que a banda passou
E cada qual no seu canto
Em cada canto uma dor
Depois da banda passar
Cantando coisas de amor
Disparada
Prepare o seu coração pras coisas
que eu vou contar
Eu venho lá do sertão, eu venho
lá do sertão
Eu venho lá do sertão e posso não
lhe agradar
Aprendi a dizer não, ver a morte
sem chorar
E a morte, o destino, tudo, a
morte e o destino, tudo
Estava fora do lugar, eu vivo pra
consertar
Na boiada já fui boi, mas um dia
me montei
Não por um motivo meu, ou de quem
comigo houvesse
Que qualquer querer tivesse,
porém por necessidade
Do dono de uma boiada cujo
vaqueiro morreu
Boiadeiro muito tempo, laço firme
e braço forte
Muito gado, muita gente, pela
vida segurei
Seguia como num sonho, e
boiadeiro era um rei
Mas o mundo foi rodando nas patas
do meu cavalo
E nos sonhos que fui sonhando, as
visões se clareando
As visões se clareando, até que
um dia acordei
Então não pude seguir valente em
lugar tenente
E dono de gado e gente, porque
gado a gente marca
Tange, ferra, engorda e mata, mas
com gente é diferente
Se você não concordar, não posso
me desculpar
Não canto pra enganar, vou pegar
minha viola
Vou deixar você de lado, vou
cantar noutro lugar
Na boiada já fui boi, boiadeiro
já fui rei
Não por mim nem por ninguém, que
junto comigo houvesse
Que quisesse ou que pudesse, por
qualquer coisa de seu
Por qualquer coisa de seu querer
ir mais longe do que eu
Mas o mundo foi rodando nas patas
do meu cavalo
Já que um dia montei agora sou
cavaleiro
Laço firme e braço forte num
reino que não tem rei
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