sábado, 7 de janeiro de 2017

Um poema de Hilda Hilst*


Enquanto faço o verso, tu decerto vives.
Trabalhas tua riqueza, e eu trabalho o sangue.
Dirás que sangue é o não teres teu ouro
E o poeta te diz: compra o teu tempo.

Contempla o teu viver que corre, escuta
O teu ouro de dentro. É outro o amarelo que te falo.
Enquanto faço o verso, tu que não me lês
Sorris, se do meu verso ardente alguém te fala.

O ser poeta te sabe a ornamento, desconversas:
“Meu precioso tempo não pode ser perdido com os poetas.”
Irmão do meu momento: quando eu morrer
Uma coisa infinita também morre. É difícil dizê-lo:

MORRE O AMOR DE UM POETA.

E isso é tanto, que o teu ouro não compra,
E tão raro, que o mínimo pedaço, de tão vasto
Não cabe no meu canto.
  
(Júbilo Memória Noviciado da Paixão (1974)
Poemas aos Homens do nosso Tempo - XVI)
(Poesia: 1959 - 1979 - São Paulo: Quíron; [Brasília]: INL, 1980.)



*Hilda Hilst (Jaú, 21 de abril de 1930 ‒ Campinas, 4 de fevereiro de 2004) foi uma poetisa, ficcionista, cronista e dramaturga brasileira. É considerada pela crítica especializada como uma das maiores escritoras em língua portuguesa do século XX.


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