domingo, 12 de fevereiro de 2017

Marinha libera ficha do “Almirante Negro”



Arquivo Nacional/Correio da Manhã/ 3 de dezembro de 1963.

O líder da Revolta da Chibata, João Cândido Felisberto,
concede entrevista a um jornalista em 1963.

Após 97 anos (2008), documentos sobre o líder da Revolta da Chibata, que levou ao fim dos castigos corporais na Marinha, são divulgados.

Expulso da Marinha, João Cândido viveu as décadas seguintes em dificuldades, até ser redescoberto pelo jornalista Edmar Morel.

Marcelo Beraba da Sucursal do Rio

A Marinha liberou, após 97 anos, documentos referentes ao marinheiro de 1ª classe João Cândido Felisberto (1880-1969), o “almirante negro”, líder da Revolta da Chibata, e ajudou a localizar sua ficha no Arquivo Nacional. Os documentos agora tornados públicos só haviam sido consultados por oficiais e historiadores da Marinha e usados para corroborar a versão oficial do episódio que acabou com os castigos corporais nos navios de guerra.

A liberação é um fato novo. Durante todo este tempo, os pesquisadores e os filhos de João Cândido esbarraram em negativas da Marinha, que jamais aceitou a elevação dos revoltosos à condição de heróis. O próprio João Cândido nunca conseguiu ter acesso à documentação. Em depoimento no MIS do Rio em 1968, ele reclamou: “... os [arquivos] da Marinha são negativos, João Cândido nunca existiu na Marinha”.

O documento mais importante é a ficha funcional. João Cândido entrou para a Marinha como grumete em 10 de dezembro de 1895, chegou a ser promovido a cabo, mas depois foi rebaixado. Nos 15 anos em que permaneceu na Armada, ele foi castigado em nove ocasiões com prisões que variaram de dois a quatro dias em celas solitárias “a pão e água” e duas vezes com o rebaixamento de cabo para marinheiro.

Não há registro, na sua ficha de 24 páginas escritas à mão, de que tenha sido espancado, como era comum. Extinto em 1889 logo após a Proclamação da República, o castigo físico foi restabelecido pelo Governo Provisório no ano seguinte. A rebelião dos marinheiros em 22 de dezembro de 1910 já vinha sendo alimentada ao longo destes 20 anos, mas só foi deflagrada depois que o marinheiro Marcelino Rodrigues foi punido com 250 chibatadas.

A ficha de João Cândido registra dez elogios e uma promoção a cabo (1903), revogada definitivamente em 1907. O último elogio por bom comportamento é de setembro, três meses antes de liderar a rebelião.

João Cândido participou de dezenas de manobras em toda a costa brasileira, navegou pelos rios das bacias do Amazonas e do Prata e esteve duas vezes em longas viagens pela Europa.

Historiadores


João Cândido em 1969

O mérito da revelação dos documentos e da ficha funcional de João Cândido se deve a uma equipe de cinco historiadores da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) encabeçada por Marco Morel, 47.

Contratado pelo Projeto Memória da Fundação do Banco do Brasil para fazer uma pesquisa sobre o líder da revolta, Morel conseguiu autorização de um dos dois filhos vivos de João Cândido, Adalberto, para ter acesso aos documentos.

O pedido foi baseado na Lei 11.111 de 2005, que normatiza a liberação de documentos oficiais. O trabalho de pesquisa para o Projeto Memória está sendo feito junto com Tânia Bessone, também professora da Uerj, e três doutorandos. Uma delas, Silvia Capanema, descobriu na Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo, outra preciosidade: uma série de 12 artigos de memórias assinados por João Cândido publicados em 1912 na “Gazeta de Notícias”. Falta digitalizá-los.

Há algumas coincidências nesta história. João Cândido viveu as décadas que se seguiram à expulsão da Marinha em desgraça. Nem as empresas comerciais de navegação lhe davam emprego. Foi redescoberto pelo jornalista Edmar Morel (1912-1989), autor do livro que passou a identificar a rebelião: “A Revolta da Chibata” (1959).

Edmar foi encontrá-lo como carregador no antigo mercado de peixes da Praça 15, no centro do Rio. De lá via bem próxima a Ilha das Cobras, onde esteve preso, foi torturado e quase morreu. A ilha abriga hoje, entre outras seções da Marinha, o Serviço de Documentação.

O historiador Marco Morel é neto de Edmar Morel. Também jornalista no início da vida profissional, dedicou-se ao ensino e à pesquisa histórica. Sua especialização é o Brasil do século 19, mas, por causa do avô, interessou-se por João Cândido. Ele doou o acervo de Edmar Morel à Biblioteca Nacional.

São Paulo, domingo, 09 de março de 2008.




Um comentário:

  1. Período de férias, de encontros, muitas atividades, e também de boas leituras,que encontramos no ACB

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