sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

O Curandeiro



Um curandeiro, uma atendente, uma bola de cristal, um ambiente esfumacento de incenso. O curandeiro, com roupas de mago, apoiado num cajado, dirige-se à atendente.

- Secretária, pode mandar entrar o primeiro paciente.

Aparece um senhor amparado por duas muletas, caminhando com muita dificuldade, totalmente entrevado.

O curandeiro, vendo a situação do paciente, vai logo dizendo:

- Meu amigo, não precisa dizer nada. Já percebi o seu terrível problema. Quero que você vá para trás daquele biombo e se concentre, pois a sua fé e a minha santidade vão curá-lo para sempre da doença que o aflige.

O senhor, quase se arrastando, vai para trás do biombo.

O curandeiro dirige-se, novamente, à atendente e pede:

- Secretária, mande entrar o segundo paciente.

Aparece um rapaz, jeito humilde, vestindo um terno surrado, falando com uma certa dificuldade:

- Pode desabafar, meu bom homem, diga-me o que o aflige?

- U poblema é que xou fanho e gostaria mutcho di xer cantor brofixional. Mã cu exa voz nu dã.

O curandeiro, após ouvir a dicção do rapaz fanho, vai logo dizendo:

- Meu filho, não precisa dizer mais nada. Já percebi perfeitamente a sua dificuldade. A minha capacidade de curandeiro e a sua fé irão curá-lo, para sempre, daquilo que tanto o aflige. Vá para trás daquele biombo e se concentre, pois vou começar as minhas orações.

Dito isso, o curandeiro começa a se concentrar e a secretária a espalhar mais incenso no ambiente. O homem olha fixamente para a bola de cristal, suas mãos estão trêmulas e o seu rosto vermelho e cada vez mais crispado. Com uma voz que parece estar saindo do além, ele dirige-se ao primeiro paciente:

- Meu filhooooo, a sua fé vai curá-lo. Jogue a primeira muleta, não tenha medo, confie em mim, jogue a muleta, meu filho!

Ouve-se um barulho de uma muleta sendo jogada por cima do biombo.

- Agora, sim, que é o teste total da sua fé. Meu filho, jogue a segunda muleta, pode confiar em mim, meu filho, jogue a segunda muleta!

Novamente, ouve-se o barulho de uma segunda muleta sendo jogada por cima do biombo.

- Agora, o rapaz fanho. Meu filho, pode falar comigo! Fale, meu filho a minha capacidade e a sua fé vão curá-lo. Fale comigo, meu filho!

Abrindo a cortina, aparece o rosto incrédulo e assustado do rapaz fanho, dizendo:

- U rabaz da buleta cãiu!


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