quinta-feira, 30 de março de 2017

A Felicidade

Viriato Corrêa


Um dia, andava um homem pelo mundo à procura da Felicidade, quando a ele se apresentou deslumbrante aos olhos:

– Aqui estou para te servir. Pede o que quiseres.

– Dá-me riqueza, que ficarei satisfeito.

A Felicidade bateu-lhe com varinha mágica. E em derredor, tudo se transformou. Quando o homem abriu os olhos, atônitos, estava diante de pilhas de ouro surpreendentes. Eram tão vastos os seus domínios que, da alta torre do seu castelo, não se lhe podiam devassar as linhas fronteiriças. O mar, que espumava nas terras solarengas, coalhava-se de caravelas carregadas de especiarias.

Mas no meio da pompa, no fulgor de todo aquele ouro, o homem sentia-se pequenino e ridículo.

Saiu de novo a procurar a Felicidade. Ela, pela segunda vez, veio ao seu encontro:

– Quereis mais alguma coisa? – perguntou?

– Quero, respondeu o homem. Quero a Inteligência.

– Só se é feliz quando, ao lado da riqueza, a inteligência nos guia e nos afaga. O ouro por si só não basta. Sinto que toda a gente me lisonjeia, mas, no fundo, ninguém me toma a sério, falta-me a inteligência para que eu tenha prestígio, a força e o brilho, que só ela possui.

– É só isso o que lhe falta para ser feliz?

– Só.

– Volta então, para o teu palácio que, ao chegares, terás a clara intuição das ciências e das artes.

O homem voltou. Anseios novos fizeram-lhe brotar de outra maneira o coração, cenários desconhecidos abriram-se-lhes deliciosamente aos olhos. O mundo desvendou-se-lhe mais largo, mais brilhante e mais profundo. De longe vinha gente para lhe ouvir os conselhos, para lhe sentir o fulgor.

Mas pouco a pouco a alegria se lhe foi diminuindo. Abateu-se-lhe o organismo, os ânimos definhavam.

Um dia, temendo a morte, o homem saiu a procurar novamente a Felicidade.

– Não está satisfeito? – perguntou ela.

– Não, respondeu ele. A riqueza e a inteligência não completam a uma felicidade. A felicidade só é verdadeira quando se tem Saúde. Eu não tenho. Falta-me tudo, portanto.

A felicidade tocou-lhe novamente os ombros o homem moveu-se: a juventude sadia floria-lhe nas veias, a ligeireza e a agilidade animavam-lhe os ombros.

Por muito tempo viveu contente, cantando no esplendor da opulência, na clara intuição das coisas, na tonificadora expressão da vida rejuvenescida.

Mas um dia saiu ele de novo ao encalço da Felicidade.

– Ah! te falta alguma coisa?

– A Beleza. De que me serve ter ouro, inteligência, e saúde, se com a minha fealdade, não posso ser amado? Não fosse o meu ouro, todos me apedrejariam.

– Queres então...

– A Beleza.

– Volta. Terás o que queres.

Mas muito tempo depois, o homem já se sentia insatisfeito. A vida luxuosa do castelo já não lhe dava alegria: cansavam-lhe tantas homenagens ao seu talento. Ele tornou a chamar a Felicidade.

– Não estás ainda satisfeito?

– Não.

– Mas já te dei tudo.

– No entanto, sinto que alguma coisa me falta.

– Dizei o que é.

– Não sei. É uma insatisfação que não posso definir. Se olho a grandeza de minhas terras, parece que as terras alheias, mais pequeninas, são mais formosas que as minhas. Se vejo uma criatura gemendo, parece-me que apesar do gemido, ela é mais feliz do que eu. Se douro uma frase, se moldo um conceito, o conceito e a frase me parecem pueris. Eu próprio não sei o que me falta. O que sinto, é uma insatisfação que me enerva, me definha, e me aniquila.

– O que te falta bem sei o que é.

– Dize.

– Falta-te esta coisa simples – que te conforme com a sorte. Não há felicidade enquanto a gente adquire a virtude necessária para satisfazer-se com o que é e com o que tem. O que te falta é Resignação.

– Dá-me, pois, a Resignação.

A Felicidade moveu tristemente a cabeça fulgurante.

– Eu que te pude dar saúde, riqueza, formosura, inteligência, não tenho poder para te dar esse quase-nada que é tudo. Só uma pessoa te poderá criar a virtude da paciência.

– Quem é ela?

– Tu próprio.

*****


Manuel Viriato Corrêa Baima do Lago Filho (Pirapemas, Maranhão, 23 de janeiro de 1884 ‒ Rio de Janeiro, 10 de abril de 1967) foi um jornalista, escritor, dramaturgo, e político brasileiro.

Viriato Corrêa foi membro da Academia Brasileira de Letras, sendo o terceiro ocupante da cadeira 32. Foi eleito em 14 de julho de 1938, na sucessão de Ramiz Galvão, tendo sido recebido por Múcio Leão em 29 de outubro de 1938.


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