A estrofe incorreta:
Ouça-me bem, amor,
presta atenção, o mundo é um moinho,
vai triturar teus sonhos tão mesquinhos,**
vai reduzir as ilusões a pó...
A estrofe correta:
Ouça-me bem, amor,
Presta atenção, o mundo é um moinho,
Vai triturar teus sonhos, tão mesquinho,**
Vai reduzir as ilusões a pó.
*Estrofe → Conjunto de versos → verso cada linha de um
poema.
**Mesquinhos, na primeira
estrofe, a incorreta, é um adjetivo que se refere ao substantivo sonhos, significando pobre,
insignificante, mísero.
**Mesquinho, na segunda estrofe,
a correta, da mesma música, que se refere a mundo,
significando: não generoso, não gosta de dar, avaro.
E qual seria a intenção do compositor Cartola? Na internet
há as duas versões.
Mas, na contracapa do LP
“CARTOLA”, lançado em 1976, está a seguinte letra, que, creio eu, com a devida
aprovação do compositor:
O mundo é um moinho
Ainda é cedo, amor,**
Mal começaste a conhecer a vida,
Já anuncias a hora de partida
Sem saber mesmo o rumo que irás tomar.
Preste* atenção, querida,**
Embora eu saiba que estás resolvida,
Em cada esquina cai um pouco tua vida,
Em pouco tempo não serás mais o que és.
Ouça-me bem, amor,
Preste* atenção o mundo é um moinho,
Vai triturar teus sonhos, tão mesquinho,
Vai reduzir as ilusões a pó,
Preste* atenção, querida,
De cada amor tu herdarás só o cinismo,
Quando notares estás a beira do abismo,
Abismo que cavaste com teus pés.
Mal começaste a conhecer a vida,
Já anuncias a hora de partida
Sem saber mesmo o rumo que irás tomar.
Preste* atenção, querida,**
Embora eu saiba que estás resolvida,
Em cada esquina cai um pouco tua vida,
Em pouco tempo não serás mais o que és.
Ouça-me bem, amor,
Preste* atenção o mundo é um moinho,
Vai triturar teus sonhos, tão mesquinho,
Vai reduzir as ilusões a pó,
Preste* atenção, querida,
De cada amor tu herdarás só o cinismo,
Quando notares estás a beira do abismo,
Abismo que cavaste com teus pés.
Erros gramaticais:
**Amor e querida são vocativos e devem sempre
estar entre vírgulas;
*O verbo prestar
deve estar no imperativo afirmativo da segunda pessoa do singular: presta (tu).
O compositor flexiona o verbo em
todos os tempos usando a pronome pessoal “tu”, logo deve concordar sempre na
mesma pessoa.
E para quem cartola fez esta música?
Parte de um texto de
Sidnei Schneider*
Cartola não gerou filhos, embora
tenha criado os de Deolinda e Dona Zica, adotivos ou não. Nascido Angenor de
Oliveira, ele e Deolinda, sua primeira esposa, adotaram Creuza Francisca dos
Santos (1927-2002), nascida no Morro da Mangueira, filha de Rosa do Espírito
Santo e Agenor Francisco dos Santos. Estes, os pais biológicos, eram amigos de
Cartola e Deolinda, sendo esta última madrinha de batismo da menina. Quando
Rosa, a mãe, faleceu em 1932, Creuza tinha apenas cinco anos, e Deolinda e
Cartola, juntos há sete naquela época, ficaram com ela. Artista precoce, Creuza
começou a cantar aos 14 anos, acompanhando Geraldo Pereira, outro grande
compositor de Mangueira, em apresentações na Rádio Nacional, nas quais também
cantava músicas de Cartola, que a levava e ensaiava. Assim, a menina aprendeu
composições que mais tarde, com a morte do pai, resgataria da memória,
inclusive várias inacabadas. Por essa época, integrou enquanto corista o grupo As
Gatas, que acompanhava Herivelto Martins. Na década de 1960, apresentou-se ao
lado de Cartola em shows na Boate Jogral (Ribeirão Preto-SP), no Zicartola e no
Teatro Opinião (RJ), e também cantou ao lado de Genaro da Bahia.
Irineia dos Santos, a mais velha dos
cinco filhos de Creuza, disse que Cartola compôs “O mundo é um moinho” ao
refletir sobre o que reservaria a vida para Creuza, então uma menina de 16
anos, que passava a se interessar pelos rapazes. Preocupações de qualquer pai
amoroso em relação a sua filha, às quais é preciso somar a noção de liberdade
artística. Cartola, igual a qualquer compositor, devia interessar-se pelo que a
canção podia dizer aos outros, os seus ouvintes, e jamais a reduziu à situação
doméstica. Visto que relevante é a maneira como cada ouvinte se apropria da
canção, tornando-a pertinente à sua vida e experiência, e eu nem relataria o
que relatei não fosse a necessidade de refutar algo tão ignominioso. O poeta e
abolicionista Cruz e Sousa, no livro Faróis, ao antever as dificuldades do seu
rebento na sociedade escravocrata, produziu algo de tom similar no poema “Meu
Filho”: “Minh’alma se debate e vai gemendo aflita/ No fundo turbilhão de
grandes ânsias mudas:/ Que esse tão pobre ser, de ternura infinita,/ Mais tarde
irá tragar os venenos de Judas!”
(Do jornal A Hora do
Povo)
*É poeta, contista, tradutor e colaborador do HP. Publicou
os livros Andorinhas e outros enganos (Dahmer, 2012), contos, e Quichiligangues
(Dahmer, 2008), poesia, entre outros.
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