Barbosa Lessa
Ao longo do século XVIII a Capitania
do Rio Grande de São Pedro já havia dedicado muita atenção ao estabelecimento
de quartéis – para suprimento de soldados às guerras de fronteira -, mas nada
se fizera ainda na órbita da instrução pública ou particular. Aqui, quem sabia
ler ou escrever é porque havia aprendido, meio aos trancos e barrancos, com
autoridades religiosas ou civis chegadas do Reino ou de Capitanias mais
civilizadas.
Mas eis que, na primeira semana de 1800, a população
porto-alegrense recebeu o impacto de um anúncio pendurado junto à ponte, na Rua
da Ponte (hoje Riachuelo), dizendo assim: “Antônio d’Ávila, recém-chegado a
este Continente participa ao público que vai abrir uma escola para ensinar a
ler, escrever e contar e doutrina cristã. As pessoas que quiserem se aproveitar
de seu préstimo podem trazer os seus filhos para a dita escola”. Aos
interessados, que conseguiram localizá-lo, acrescentou duas condições: o aluno
não poderia contar mais do que oito anos de idade, e cada pai pagaria duas
patacas por mês.
Nunca se soube ao certo de onde tinha
vinda o homem – parece que do Reino de Portugal – nem qual era essa família
“d’Ávila” a que pertencia. Mas não tinha importância. Logo a sua escola
começava a funcionar, com um total de 50 guris analfabetos – e ele ganhava um
apelido que se sobrepôs a seu próprio nome de batismo: Amansa-Burros.
A sala de aula se caracterizava, à
esquerda, por três ordens de arquibancadas, semelhantes às de um circo de
cavalinhos, onde se distribuíam os piás. Ao centro, uma poltrona de couro, para
o mestre, tendo às costas, pendurada na parede, uma cruz de madeira pintada de
preto. E à direita um banco mais alto, desempenhando a função de escrivaninha,
além de um tamborete individualmente utilizado na hora em que o aluno precisava
prestar suas provas orais.
À medida que o curso ia progredindo,
Amansa-Burros selecionava, dentre os alunos, até quatro “decuriões”,* para
prestarem ajuda aos mais atrasados, além de um “decurião-mór” investido da
função de auxiliar direto do mestre, inclusive nas questões de disciplina.
A escola era aberta às 7h30min da
manhã. Quando os discípulos já estavam todos acomodados, entrava o professor. A
gurizada se levantava, cantando “Bons dias!”, e em seguida recebia sinal para
que tornasse a se abancar.
Felicíssimo de Azevedo, contemporâneo
do Amansa, dele deixou a seguinte descrição: “Seu aspecto inspira antipatia: um
semblante sempre carregado, seus olhos negros e encovados mostram medo às
crianças, que tremem só com a sua presença”.
O curso principiava com a
distribuição de um pedaço de papelão onde o mestre grudava um abecedário
manuscrito. Na etapa seguinte já se grudavam as “cartas de nomes”, com as
várias letras se ajustando em vocábulos básicos. A seguir, começava a escrita,
com o mestre ditando passagens da Bíblia – para respeito a Deus – e sentenças
judiciais como aquela que condenara Tiradentes à forca – para respeito ao Rei.
Aquilo que havia sido escrito era então lido sob a forma de cantochão, em coro. E ai de quem
desafinasse, pois a palmatória logo saltava da poltrona do professor…
Esse castigo, à base de “bolos” de
palmatória, era uma constante ao longo de todo o curso. Três vezes por semana
havia uma espécie de “prova” individual, para avaliar se o aluno já escrevia
corretamente, e em cada papel o mestre ia acrescentando os números 0, 2, 4, 6
ou 8. Esse o número de “bolos” a que o guri era condenado, à proporção das
besteiras que fosse cometendo. E geralmente o castigo se tornava ainda mais
frequente com as aulas de gramática latina, quatro operações aritméticas, regra
de três e uma conta de juros. Então o guri subia ao tamborete, para ver o que
era bom. “Só este aparato deixa a criança em tal excitação” – acrescenta a
evocação de Felicíssimo de Azevedo – “que nada sabe responder, resultando sair
o menino da escola às vezes com as mãos inchadas, sendo preciso lavá-las com
salmoura para evitar a inflamação”.
Além do curso elementar,
Amansa-Burros também dava cursos especiais de Latim – com duração de cinco
anos, em que demonstrava brilhante domínio de textos clássicos como os de
Virgílio, Horácio e Ovídio – e de Francês. Nesta língua viva, porém, frequentemente
ele se enredava feio, e bem que merecia ganhar uns “bolos” para deixar de ser
burro.
Antônio D’Ávila, o Amansa-Burros,
foi um educador luso-brasileiro. Foi um dos primeiros educadores de Porto
Alegre, tendo pouco após chegar ao Brasil, aberto uma escola, em 8 de janeiro
de 1800. Teve como alunos, entre outros, Antônio Alves Pereira Coruja e
Francisco Isidoro de Sá Brito.
Aliás, falando em
“amansa-burro”,
você sabe qual a origem dessa expressão?
você sabe qual a origem dessa expressão?
Segundo o Prof. Ari
Riboldi, há três versões:
a) Em latim, “burrus” quer dizer
vermelho, ruço, encarnado. Antigamente, os dicionários tinham capas vermelhas,
o que pode ter levado à ideia de que a pessoa que recorresse a esse livro era
curta de inteligência. O dicionário ficou conhecido, no meio popular, como amansa-burro
e também pai dos burros. Puro preconceito, pois quem recorre ao dicionário quer
aprofundar um tema, buscar novos significados, pesquisar mais detalhes, enfim
saber mais;
b) conta uma história que uma
moeda antiga tinha uma estampa de um rei não muito esperto e com uma enorme
cabeça, semelhante à de um burro, o que teria levado à infeliz associação entre
o bicho e a falta de inteligência;
c) a terceira versão está
vinculada à lenda grega do rei Midas, que, por tolice, contrariou o deus Apolo,
tendo, por isso, recebido, como castigo, enormes orelhas de burro.
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