segunda-feira, 24 de abril de 2017

Um pouco de histórias gaúchas



Certo deputado foi escolhido secretário da Saúde sem nada entender do assunto. Fato raro.
Conta-se que um assessor entrou em sua sala e, aliviado, informou:
– Secretário, a cortisona chegou!
– Manda entrar, manda entrar – respondeu o outro.


O funcionário anunciou ao presidente da Caixa Econômica Federal do Rio Grande do Sul:
– Doutor, está aí uma comissão de membros de fora, que quer falar com o senhor.
– Pois que guardem os membros e entrem – disse o presidente.


Em seu discurso de inauguração da agência Partenon da caixa Econômica Federal, em 28 de outubro de 1958, o senhor Rubem Smidt afirmou, a certa altura, a propósito de poupança:
“... devemos guardar para as fases incertas do futuro”.
No dia seguinte, o Diário de Notícias publicou:
“... devemos guardar para as fezes incertas do futuro”.


Conta-se que, em determinada altura da Revolução de 30 – que levou Getúlio Vargas ao poder – as tropas governistas, acrescidas da força pública de São Paulo, opuseram firme resistência ao avanço dos batalhões provisórios, organizados no Paraná e Santa Catarina. Sob intensa fuzilaria, as comunicações tornaram-se difíceis, gerando noticias confusas. O comando revolucionário, no entanto, insistia em saber como se desenvolvia as operações.
Afinal, chegou o primeiro comunicado. Dizia.

TOMAMOS AREIAS E EVACUAMOS PEDREIRA.

*Areias e Pedreiras: cidades paulistas da zona do café.


Diz que, em 19 de junho de 1923, durante o combate da Ponte do Ibirapuitã, no Alegrete, as metralhadoras dos chimangos legalistas de Flores da Cunha choviam balas nos maragatos revolucionários do general Honório Lemes.
– Não tem poblema – disse o general. – Se as bala vier por cima, nóis se abaixemo.
– E se vierem por baixo, general?
– Nesse caso, nóis pulemo.
– Mas, e se vierem no meio?
Bueno, aí nóis se quebremo.*

 *Há quem diga que foi: aí nóis se fudemo.


As sondagens do eleitorado revelavam que aquele candidato ao governo do Estado ficara exatamente no zero por cento das estatísticas.
Procurado pela imprensa, comentou seu chefe de campanha;
– Bem, acho que, daqui pra frente, a coisa só deve melhorar,


João Abbott* clinicava em São Gabriel, onde ficara famoso pela competência.
Certa feita, um fazendeiro de Rosário do Sul, ferrenho inimigo político seu, quebrou a perna, logo tomada por gravíssima infecção. Quando o doente entrou em coma, os familiares e amigos decidiram chamar o dr. Abbott, único julgado capaz de evitar-lhe a morte.
Bastante contrariado, o médico deslocou-se até a fazenda e, após permanecer vários dias de vigília à cabeceira do moribundo, conseguiu salvá-lo, só retornando após colocá-lo fora de perigo.
Restabelecido, o fazendeiro mandou telegrama ao dr. Abott, perguntando quais seus honorários profissionais. Respondeu-lhe o médico:
“A mesma importância prometida para me assassinarem.”
Dias depois, o banco avisava a chegada de ordem de pagamento no valor de dez contos de réis...

*João Frederico Abbott (1857-1925): médico e político rio-grandense, republicano e abolicionista, correligionário de Júlio de Castilhos. Em 1904, foi secretário de Estado do governo de Borges de Medeiros.


Em 1948, o deputado estadual Guilherme Mariante, do PTB,* começou a atacar o governo da tribuna, dada a alta dos preços. Os operários, cujo setor ele dizia representar, estavam submetidos a padrão de existência incompatível com a dignidade humana. Um seu opositor do PL (Partido Libertador) pediu aparte e ponderou que aquela questão de preços não era tão fácil de conjugar, pois decorria da lei da oferta e da procura. Ao que o petebista respondeu, peremptório:
– E por que ainda não providenciaram a revogação dessa lei?
Ao outro deputado recomendou, mal contendo o riso:
– É melhor Vossa Excelência ao avançar muito nesse assunto. Pelo que estou lembrado, essa lei é da época do doutor Getúlio...

*O Partido Trabalhista Brasileiro foi fundado por Getúlio Vargas, ditador de 1930 a 1945 e presidente da República eleito em 1950, tendo assumido em 1951 e se suicidou em 24.8.1954.

(De “Um livro de histórias”, de Renato Maciel de Sá Júnior)


*Renato Maciel de Sá Junior nasceu no Rio de janeiro, em 27 de abril de 1941. Mas, segundo ele próprio diz, não é carioca, é gaúcho. Morou em Porto Alegre, onde exercia a profissão de advogado. Apaixonado pelo caso humorístico e pela anedota, Renato preferia se considerar um contador de histórias a um escritor. Renato Maciel de Sá Junior faleceu em 31 de julho de 1992, em Porto Alegre, RS.

Um grande praça


Renato e esposa

Permitam que em nome de Porto Alegre e dos seus amigos, esta coluna chore a morte de Renato Maciel de Sá júnior, sepultado ontem (1.8.1992). Impossível deixar de derramar lágrimas por tal tipo inesquecível. As cidades são feitas de pedra e de traçados, mas são sustentadas pela espessura espiritual de pessoas como Renato, verdadeiros arquitetos de ternura.

Músico, bacharel, escritor, juiz eleitoral, mas, acima de tudo, um grande praça. Conviveu com o câncer durante 12 longos anos, mas sua vida parecia ser nesse período ainda mais produtiva. Respondeu à doença não com o desânimo dos condenados, mas com o sorriso dos venturosos. Sentava-se à maquina não para contar a melancolia de que devera se possuir, mas para legar-nos os Anedotários da Rua da Praia, a rua que a cidade e ele amavam, com as humanidades dela e a sensibilidade dele.

Era um contador de casos, tenho aqui na minha frente o seu Um livro de Histórias, mas antes de tudo foi um agregador, um jeitão simples que fazia amigos por onde fosse, uma alegria de viver transbordante, uma vocação para criar e recriar, para lembrar, um atleta da solidariedade, um lado só de atração pelas pessoas e a curiosidade pelo seu meio, um homem orgulhoso do seu convívio e insaciável pelas manifestações da sua cidade.

A última lembrança que tenho dele foi no bobó de camarão da Lúcia Veríssimo. Identificava e definia todas as serestas que cantávamos, os brilho do olhar e da expressão denotando que as saboreava lá naquele recanto sereno da sua alma musical, agitando a roda de papo com recordações da sua memória prodigiosa.

Sempre que seu nome surgia lembrado por alguém, fazia-se a reverência ao belo sujeito em que ele se constituía. Todos o amavam, todos foram levar a ele ontem no Cemitério São Miguel e Almas o agradecimento pelo calor humano que dele sempre receberam, uma saudade imperecível já se precipitando ao redor do esquife.

Renato e seu Sexteto era o conjunto musical que alegrava os bailes da cidade e do Estado desde 1960, quando fundou-o. Tinha ele, o Maneca, o Sabino Loguércio, o Gilberto Brodt, o Jaime Eduardo Machado, o Benatti, o Luís Fernando Veríssimo como integrantes. Depois cresceram para 10 ou 11, mas ficou ainda o nome, Renato e seu Sexteto. Foi sempre assim a dádiva do Renatinho, não importava os nomes, importava o número de seus amigos.

Procurei ontem após o enterro o Luís Fernando Veríssimo para colocar aqui nesta coluna algumas palavras sobre seu grande companheiro. Ele estava tão abalado que só me pôde me pronunciar uma frase: “Foi sempre um grande e presente amigo.”

(Paulo Sant´Ana, em 2 de agosto de 1992, em Zero Hora)

Meu depoimento:

Quando fiz concurso para professor do Município de Porto Alegre, fui lotado no Centro Municipal de Cultura, onde havia um atelier livre para aulas de pintura e modelagem em cerâmica, uma biblioteca, um teatro, um saguão para exposições de arte e um auditório também para espetáculos múltiplos.

Numa noite, vi entrar no Teatro Renascença uma figura da qual eu já havia lido e gostado muito de todos os seus anedotários, Renato Maciel de Sá Junior. E eu disse isso a ele. Agradeceu-me o comentário e a gentileza, apertou a minha mão e deu um largo e bondoso sorriso. Isso foi, provavelmente, em 1985. Mal sabia eu que ele já estava doente e faleceria sete anos depois, com apenas 51 anos de idade. Realmente, ele foi um grande praça!

Nilo da Silva Moraes

O herói da novela

Corriam os tempos heroicos das radionovelas, audiência absoluta antes do advento da televisão. Os capítulos iam para o ar ao vivo. Ainda não eram usadas gravações.

À massa de ouvintes da Rádio Farroupilha acompanhava o dramático final de uma comovente história de amor e violência. A trama fluía emocionante. O galã, interpretado por Walter Ferreira, finalmente encontrara o odiado vilão, refugiado no último andar de um edifício:

– Ah, canalha, chegou tua hora! Prepara-te para morrer. Neste revólver está a bala que reservei para ti todos estes anos. Toma, miserável, morre!

Naquele exato momento, nos estúdios da Farroupilha, na Duque de Caxias com o Viaduto Borges de Medeiros, o sonoplasta manuseou rapidamente o disco onde as diversas faixas continham toda a variedade de sons e ruídos, como tropel de cavalos, trem andando, badalo de sino, etc. Ao invés do esperado tiro, porém, na transmissão ouviu-se o desconcertante mugido de uma vaca.

Walter consertou rápido:

− E não adianta te esconderes atrás da vaca, miserável!

*****

(Texto do livro “Anedotário da Rua Praia 1”,
de Renato Maciel de Sá Júnior)




As capas dos anedotários: 1, 2, 3,
todos de autoria de Renato Maciel de Sá Júnior.





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