domingo, 21 de maio de 2017

Em código


Fernando Sabino


Fui chamado ao telefone. Era o chefe de escritório de meu irmão:

‒ Recebi de Belo Horizonte um recado dele para o senhor. É uma mensagem meio esquisita, com vários itens, convém tomar nota: o senhor tem um lápis aí?

‒ Tenho. Pode começar.

‒ Então lá vai. Primeiro: minha mãe precisa de uma nora.

‒ Precisa de quê?

‒ De uma nora.

‒ Que história é essa?

‒ Eu estou dizendo ao senhor que é um recado meio esquisito. Posso continuar?

‒ Continue.

‒ Segundo: pobre vive de teimoso. Terceiro: não chora, morena, que eu volto.

‒ Isso é alguma brincadeira.

‒ Não é não, estou repetindo o que ele escreveu. Tem mais. Quarto: sou amarelo, mas não opilado. Tomou nota?

‒ Mas não opilado ‒ repeti, tomando nota. ‒ Que diabo ele pretende com isso?

‒ Não sei não, senhor. Mandou transmitir o recado, estou transmitindo. 

‒ Mas você há de concordar comigo que é um recado meio esquisito.

‒ Foi o que eu preveni ao senhor. E tem mais. Quinto: não sou colgate, mas ando na boca de muita gente. Sexto: poeira é minha penicilina. Sétimo: carona, só de saia. Oitavo...

‒ Chega! ‒ protestei, estupefato. ‒ Não vou ficar aqui tomando nota disso, feito idiota.

‒ Deve ser carta em código ou coisa parecida ‒ e ele vacilou: ‒ Estou dizendo ao senhor que também não entendi, mas enfim... Posso continuar?

‒ Continua. Falta muito?

‒ Não, está acabando: são doze. Oitavo: vou, mas volto. Nono: chega à janela, morena. Décimo: quem fala de mim tem mágoa. Décimo primeiro: não sou pipoca, mas também dou meus pulinhos.

‒ Não tem dúvida, ficou maluco.

‒ Maluco não digo, mas como o senhor mesmo disse, a gente até fica com ar meio idiota... Está acabando, só falta um. Décimo segundo: Deus, eu e o Rocha:

‒ Que Rocha?

‒ Não sei: é capaz de ser a assinatura.

‒ Meu irmão não se chama Rocha, essa é boa!

‒ É, mas foi ele que mandou, isso foi.

Desliguei, atônito, fui até refrescar o rosto com água, para poder pensar melhor. Só então me lembrei: haviam-me encomendado uma crônica sobre essas frases que os motoristas costumam pintar, como lema, à frente dos caminhões. Meu irmão, que é engenheiro e viaja sempre pelo interior fiscalizando obras, prometera ajudar-me, recolhendo em suas andanças farto e variado material. E ele viajou, o tempo passou, acabei me esquecendo completamente o trato, na suposição de que o mesmo lhe acontecera.

Agora, o material ali estava, era só fazer a crônica. Deus, eu e o Rocha! Tudo explicado: Rocha era o motorista. Deus era Deus mesmo, e eu, o caminhão.

(Do livro “Para gostar de ler”, Vol. 4. Editora Ática)


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