Fernando Sabino
Fui chamado
ao telefone. Era o chefe de escritório de meu irmão:
‒ Recebi de Belo Horizonte um recado
dele para o senhor. É uma mensagem meio esquisita, com vários itens, convém
tomar nota: o senhor tem um lápis aí?
‒ Tenho. Pode
começar.
‒ Então lá vai. Primeiro: minha mãe precisa de uma nora.
‒ Precisa de quê?
‒ De uma nora.
‒ Que história é essa?
‒ Eu estou dizendo ao senhor
que é um recado meio esquisito. Posso continuar?
‒ Continue.
‒ Segundo: pobre vive de
teimoso. Terceiro: não chora, morena, que eu volto.
‒ Isso é alguma brincadeira.
‒ Não é não, estou repetindo o que ele
escreveu. Tem mais. Quarto: sou amarelo, mas não opilado. Tomou nota?
‒ Mas não
opilado ‒ repeti, tomando nota. ‒ Que diabo ele pretende com isso?
‒ Não sei não, senhor. Mandou transmitir o recado, estou transmitindo.
‒ Mas você há de concordar comigo que é um recado meio esquisito.
‒ Foi o que eu preveni ao senhor. E
tem mais. Quinto: não sou colgate, mas ando na boca de muita gente. Sexto:
poeira é minha penicilina. Sétimo: carona, só de saia. Oitavo...
‒ Chega! ‒
protestei, estupefato. ‒ Não vou ficar aqui tomando nota disso, feito idiota.
‒ Deve ser carta em código ou coisa
parecida ‒ e ele vacilou: ‒ Estou dizendo ao senhor que também não entendi, mas
enfim... Posso continuar?
‒ Continua.
Falta muito?
‒ Não, está acabando: são doze.
Oitavo: vou, mas volto. Nono: chega à janela, morena. Décimo: quem fala de mim
tem mágoa. Décimo primeiro: não sou pipoca, mas também dou meus pulinhos.
‒ Não tem
dúvida, ficou maluco.
‒ Maluco não digo, mas como o senhor
mesmo disse, a gente até fica com ar meio idiota... Está acabando, só falta um.
Décimo segundo: Deus, eu e o Rocha:
‒ Que Rocha?
‒ Não sei: é capaz de ser a assinatura.
‒ Meu irmão não se chama Rocha, essa é boa!
‒ É, mas foi ele que mandou, isso foi.
Desliguei, atônito, fui até refrescar
o rosto com água, para poder pensar melhor. Só então me lembrei: haviam-me
encomendado uma crônica sobre essas frases que os motoristas costumam pintar,
como lema, à frente dos caminhões. Meu irmão, que é engenheiro e viaja sempre
pelo interior fiscalizando obras, prometera ajudar-me, recolhendo em suas
andanças farto e variado material. E ele viajou, o tempo passou, acabei me
esquecendo completamente o trato, na suposição de que o mesmo lhe acontecera.
Agora, o material ali estava, era só
fazer a crônica. Deus, eu e o Rocha! Tudo explicado: Rocha era o motorista.
Deus era Deus mesmo, e eu, o caminhão.
(Do livro “Para gostar de ler”, Vol. 4. Editora Ática)
Já que os recados estão esquisitos: voltou tudo ao normal, posso ler todos.
ResponderExcluir