Um simples sinal de fé
Nilo da Silva Moraes – Pqdt -11779 – 1964/4
Um padre católico e um rabino foram
juntos assistir a uma luta de boxe. Era uma luta de pesos-pesados que daria ao
vencedor uma vultosa soma em dinheiro.
Ao entrarem no ring, um dos lutadores fez o sinal da cruz. O rabino, curioso,
perguntou ao padre:
- O que significa isso que
ele acabou de fazer?
Respondeu o padre:
- Nada, se ele não souber
lutar.
Conto essa pequena história, que ouvi de um personagem de um filme (O Voo
do Fênix) contar a outro, porque me lembrei da emoção que sentíamos dentro de
um avião antes de saltar: a tensão, a expectativa, a adrenalina e a força da fé
realçada por um simples sinal da cruz.
Fui muito religioso na minha infância
e juventude. Aos domingos, quando de folga, eu ia com grupo de pqdts gaúchos à
missa numa igreja de Marechal Hermes, antes de irmos nos divertir ou passear.
Eu sempre que estava sentado no banco de uma aeronave, já com o avião
esquentando os motores, para não dar na vista, fazia, discretamente, um sinal
da cruz cheio de sutilezas: um dedo na teste, simulando coçar; um pequeno toque
no peito, outro dedo no ombro esquerdo, outro toque no ombro direito e,
finalmente, a mão nos lábios. Pensava, fervorosamente, em Nossa Senhora Aparecida
e me considerava pronto para o que desse e viesse. Estava protegido pelo sinal
da cruz, pela minha fé e a confiança no equipamento de salto: o paraquedas.
Quando uma equipe recebia os
comandos: Preparar! Levantar! Enganchar, Verificar equipamento! Contar!,
sabíamos que iríamos para uma aventura sem retorno. Você só pensa nos comandos
recebidos. Você é uma máquina executando ordens por puro reflexo condicionado.
Você chega à porta e, recebendo o já, nem por um momento você vacila. Você se
joga, sem pensar, olhos arregalados, punho no reserva e, de repente, você
estanca no ar. Um enorme cogumelo verde infla sobre a sua cabeça. Então, você
grita de felicidade: puta que pariu! O que vem pela frente não tem a menor
importância. Você está vivo! O equipamento funcionou. O paraquedas desce
lentamente, e, dependendo do vento, você flutua suavemente. É um momento que
gostaríamos que demorasse uma eternidade. Gritos de alegria de todos os
saltadores; centenas de paraquedas abertos por todos os lados. Você se julga um
pássaro, o próprio guerreiro alado da canção. Você já quer fazer tudo de novo,
por vibração, pela adrenalina, pela intensa felicidade de ser um corpo que
flutua no espaço.
Alguém já disse uma vez, com certa propriedade,
que saltar de paraquedas é um suicídio controlado. Você está saltando para a
morte por poucos segundos, quando um objeto o salva no ar. Objeto que, algumas
vezes, já falhou, ocasionando a morte do paraquedista.
Por que muitos de nós nunca tiveram
medo? Somente pelo dever, pelo amor, pela fé, pela certeza da proteção do sinal
da cruz e por sermos, simplesmente, paraquedistas treinados a ferro e fogo para
cumprir qualquer missão!
Adendo:
É claro que cada um de nós,
jovens recrutas do antigo Regimento Santos Dumont, tinha a sua própria fé no
seu Deus particular. Cada um de nós tinha a sua crença, podia ser católico,
evangélico, espírita, umbandista, ou até mesmo quem cresse num orixá. Mas todos
pediam proteção divina. Digo isso, porque, na hora do salto, na porta de uma
aeronave, olhando para baixo, quem não confiaria no seu Deus e no seu
paraquedas?
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P.S. Um homem que salta de
paraquedas semiautomático de um avião pode voar alguns segundos...
Um homem que salta de paraquedas,
em um salto livre, de um avião pode voar até alguns minutos...
Um homem que salta sem paraquedas de um avião pode voar até
o fim da sua vida...
Opinião de uma velha águia Paraquedista
Amigo Nilo, fui um Pqdt “calejado”, cheio
de tarimba e sem modéstia alguma. Porém foi o melhor depoimento de um salto de
aeronave em voo que até hoje li, mostrando nossa “cara de salto”. Para uns,
esta “cara de salto” se manifestava no cheque dos motores na cabeceira da
pista, era o meu caso; para outros, ao acender a luz vermelha e assim por
diante...
Nilo, quando o avião taxiava em
direção à cabeceira da pista e lá chegando, piloto com avião freado, conferindo
os instrumentos, avião contido como bagual na raia de largada, trepidando, pronto
para a decolagem... este velho guerreiro pensava com seus botões; ou melhor,
ajustando a queixeira do capacete... estou pronto! Nada mais me atemorizava.
Pulso voltava a normalidade, o salto deixava de ser um problema, só os deveres
com a equipe afloravam em minha cabeça. Nilo, eu ficava tão tranquilo, que um
Tenente, meu aluno de básico, vendo-me sair numa equipe de Prec**, ele pensava:
“Um dia ainda vou ser tão tranquilo como aquele Sargento.” Dito pelo General
Siqueira, numa festa dos Precs Veteranos na Colina Longa.
Seu depoimento achei bonito, sinceramente.
Que tal cada um falar sobre sua maior tensão no momento que antecedia o seu
salto?
Ly Adorno de Carvalho*
*Ly Adorno: Pqdt 503 - do Turno do 1951/3 - Mestre de Salto 197, Precursor 16, Força Especial 15 e Comando 14.
** Prec: Precursor é o paraquedista
com curso e treinamento especiais para se lançar com qualquer tempo em um ZL e dar, ou não,
condições de lançamento de uma equipe de paraquedistas. É ele que assinala com
um T a vertical do ponto para a
visualização do MS (Mestre de Salto), na porta do avião, e comandar uma equipe
a saltar numa Zona de Lançamento (ZL).
Fotos de saltos:
Um equipe de paraquedistas militares brasileiros
preparando-se para entrar na aeronave.
Antes do salto, cada um com a sua fé.
Salto de um recruta, o chão é o limite...
E quando o salto é na água, o perigo é redobrado.
Salto em equipe, esperando a abertura do paraquedas.
Salto na ZL do Campo dos Afonsos.
Salto noturno, um mergulho na escuridão...
E, finalmente, a alegria de ver todos os paraquedas abertos...
(Fotos de Blogs da Brigada de Infantaria Paraquedista)
UM PRIMO MEU QUE ERA PQD DA 2ª CIA CHEGOU NA MINHA CASA E PERGUNTOU VAI DAR VIVA AO DIABO? MINHA MÃE ESCUTOU E MESMO FEZ PROMETER QUE EU JAMAIS IRIA FALAR UMA COISA DESSA, EU RESPONDI QUE NÃO IRA FALAR, E SOFRI MUITO NA ÁREA DE ESTAGIO POR CAUSA DISTO.MAS MESMO ASSIM SINTO MUITA SAUDADE DA MINHA JUVENTUDE. DOS MEUS COLEGAS, FOI UM ANOA MUITO DIFÍCIL ERA MUITA PRONTIDÃO FUI ATÉ PERSEGUIDO POR UM SARGENTO CHAMADO RONEI DA 4 CIA. RECLAMAR COM QUEM? MAS RESISTI A TUDO ISSO E ESTOU AQUI FELIZ POR TER CUMPRIDO MEU DEVER. ABRAÇOS AMIGO.
ResponderExcluirAmigo, num avião, por vibração e até mesmo para provar machismo, a gente grita qualquer coisa. Devo,também, ter gritado "Viva o diabo!", mas era uma frase dita de boca pra fora. Ela não representava o que nós, paraquedistas, estávamos sentindo. O que valia mesmo era oração rezada silenciosamente por todos nós na hora do salto.
ExcluirUm abraço de Nilo da Silva Moraes
Obrigado por compartilhar conosco as suas lembranças. Eu fico muito feliz ao dizer que os equipamentos e aeronaves podem ter mudado, mas o sentimento que um homem tem ao se lançar no desconhecido permanece o mesmo! Um abraço meu irmão!
ResponderExcluirDa mesma forma, quem viveu essa nossa emoção, sabe que ele é intensa e verdadeira>
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