sexta-feira, 30 de junho de 2017

Os votos



(Sergio Jockymann - 1978)

Desejo primeiro, que você ame, e que amando, seja também amado.

E que se não o for, seja breve em esquecer e esquecendo, não guarde mágoa.

Desejo pois, que não seja assim, mas se for, saiba ser sem desesperar.

Desejo também que tenha amigos, que mesmo maus e inconsequentes, sejam corajosos e fiéis, e que em pelo menos num deles você possa confiar sem duvidar, que confiando, não duvide de sua confiança.

E porque a vida é assim, desejo ainda que você tenha inimigos, nem muitos nem poucos, mas na medida exata para que, algumas vezes, você se interpele a respeito de suas próprias certezas.

E que entre eles, haja pelo menos um que seja justo, para que você não se sinta demasiadamente seguro.

Desejo, depois, que você seja útil, não insubstituivel, mas razoavelmente útil.

E que nos maus momentos, quando não restar mais nada, essa utilidade seja suficiente para manter você de pé.

Desejo ainda que você seja tolerante; não com os que erram pouco, porque isso é fácil, mas com aqueles que erram muito e irremediavelmente, e que fazendo bom uso dessa tolerância, não se transforme em aplauso nem em permissividade, para que assim fazendo um bom uso dela, você dê também um exemplo para os outros.

Desejo que você, sendo jovem, não amadureça depressa demais e que, sendo maduro, não insista em rejuvenescer e que, sendo velho, não se dedique a se desesperar.

Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor e é preciso deixar que eles escorram dentro de nós.

Desejo, por sinal, que você seja triste, mas não o ano todo, nem em um mês e muito menos numa semana, mas apenas por um dia.

Mas que nesse dia de tristeza, você descubra que o riso diário é bom, o riso habitual é insosso e o riso constante é insano.

Desejo que você descubra com o máximo de urgência, acima e a despeito de tudo, talvez agora mesmo, mas se for impossível, amanhã de manhã, que existem oprimidos, injustiçados e infelizes, e que estão à sua volta, porque seu pai aceitou conviver com eles.

E que eles continuarão à volta de seus filhos, se você achar a convivência inevitável.

Desejo ainda que você afague um gato, que alimente um cão e ouça pelo menos um joão-de-barro erguer triunfante o seu canto matinal.

Porque assim você se sentirá bem por nada.

Desejo também que você plante uma semente, por mais ridícula que seja, e acompanhe o seu crescimento dia-a-dia, para que você saiba de quantas muitas vidas é feita uma árvore.

Desejo, outrossim, que você tenha dinheiro, porque é preciso ser prático.

E que, pelo menos uma vez por ano, você ponha uma porção dele na sua frente e diga:

Isso é meu. Só para que fique bem claro quem é dono de quem.

Desejo ainda que você seja frugal, não inteiramente frugal, não obcecadamente frugal, mas apenas usualmente frugal.

Mas que esse frugalismo não impeça você de abusar quando o abuso se impõe.

Desejo também que nenhum dos seus afetos morra, por ele e por você.

Mas que, se morrer, você possa chorar sem se culpar e sofrer sem se lamentar.

Desejo, por fim, que sendo mulher você tenha um bom homem, e que sendo homem, tenha uma boa mulher.

E que se amem hoje, amanhã, depois, no dia seguinte, mais uma vez, e, novamente, de agora até o próximo ano acabar, e que quando estiverem exaustos e sorridentes, ainda tenham amor para recomeçar.

E se isso só acontecer, não tenho mais nada para desejar.

*****

Importante: este texto, de autoria de Sergio Jockymann, publicada em 1980 no Jornal Folha da Tarde, de Porto Alegre-RS, circula na internet como sendo de autoria de Victor Hugo, e assim foi publicada originalmente em nosso portal, com o título Desejos. Contatados pelo verdadeiro autor, com muito prazer desfazemos o equívoco, estabelecendo os créditos a quem de direito.


1930 – 2011

Morreu às 15h de ontem (16.02.2011), aos 80 anos, o jornalista, escritor, dramaturgo e ex-deputado Sérgio Jockymann. Vítima de insuficiência renal, ele estava internado desde novembro no hospital da Unicamp, em Campinas (SP). Jockymann tinha a saúde debilitada há muitos anos. Nos últimos dois dias esteve inconsciente, devido à rejeição de um tratamento de diálise a que vinha se submetendo. Entre os inúmeros veículos que trabalhou, o jornalista se destacou na Folha da Tarde, onde publicou o folhetim Clô Dias e Noites. Natural de Palmeira das Missões, Jockymann será velado e sepultado em Campinas, onde mora a filha Duda Jockymann.

Correio do Povo, de 17.02.2011
  
Morreu nesta quarta-feira (16.02.2011), aos 80 anos, o poeta, escritor, dramaturgo, jornalista e cronista Sérgio Jockymann. Desde novembro, ele estava internado no Hospital da Unicamp, em Campinas (SP), para tratar-se de uma insuficiência renal.

Nascido em Palmeira das Missões em 1930, Jockymann tinha se mudado para a cidade do interior paulista para tratar seus problemas de saúde, que vinham de longa data e já haviam sido explicitados em uma coluna de seu colega no Jornal do Almoço, Paulo Sant'Ana. No texto, publicado em 13 de maio de 2009, Sant'Ana destacava seu quadro de insuficiência renal.

Além de escrever para diversos jornais como Zero Hora, Folha da Tarde e Correio do Povo, Jockymann também foi autor de telenovelas, seriados de TV e peças de teatro. Como político, foi deputado estadual e concorreu à prefeitura de Porto Alegre.

Sérgio Jockymann deixa a esposa, Simone, 70 anos, e cinco filhas, Iria (60 anos), Daphne (58 anos), Heliana (59 anos), Luelin (42 anos) e Karel (38 anos), além de netos e bisnetos.

ZH, de 17.02.2011


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