quarta-feira, 21 de junho de 2017

Poderosa Capitu



Por Beth Brait*

As grandes obras, além de falar do mundo e dos homens de forma inusitada, têm a qualidade de dialogar com outras criações, reaparecendo sob diversas formas, em diferentes momentos. Esse é o caso da personagem Capitu, protagonista do romance Dom Casmurro, de Machado de Assis. Se considerarmos a primeira edição da obra como sendo a data de seu nascimento, podemos dizer que Capitu está entre nós desde 1889. Daí em diante, nunca mais deixou de causar polêmica e provocar admiração. Graças à sua intrigante maneira de ser e às dúvidas que pairam sobre um possível adultério, muitas reaparições já foram e continuam sendo promovidas. Da lista, para ficarmos só em algumas, fazem parte: Capitu sou eu, coletânea de contos de Dalton Trevisan, Amor de Capitu, adaptação literária de Fernando Sabino e Capitu, roteiro para cinema que Lígia Fagundes Telles escreveu com Paulo Emílio Salles Gomes. Isso sem contar a quantidade de sites e blogs que se intitulam Capitu ou existem para discutir essa intrigante criatura machadiana.

A MPB também se rendeu à sedução da personagem, como se comprova na canção Capitu, do compositor Luiz Tatit, que aparece no CD O Meio (Selo Dabliú, São Paulo, 2000). Nessa obra, o autor constrói, com engenho e arte, a dimensão de um feminino, de um forte imaginário sobre a mulher, que, vindo do século XIX literário, chega ao século XXI via internet. Mesmo quem jamais ouviu falar da personagem (o que é difícil, mas não impossível), terá, nos versos da canção, as características da Capitu machadiana, musicalmente simuladas. Dentre as qualidades de uma canção capaz de fazer reviver Capitu está o trabalho com a linguagem, com as riquezas da língua, criando um forte e vivo diálogo entre ficção literária, canção e internet.

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*Beth Brait é professora livre-docente da PUC-SP e da USP, autora, entre outros, de A personagem e ironia em perspectiva polifônica e organizadora-autora de Bakhtin: conceitos-chave e Bakhtin: outros conceitos-chave.

Capitu

(Luiz Tatit)

De um lado
Vem você
Com seu jeitinho
Hábil, hábil, hábil
E pronto
Me conquista
Com seu dom

De outro
Esse seu site
Petulante
www
Ponto
Poderosa
Ponto com

É esse o seu
Modo de ser ambíguo
Sábio, sábio
E todo encanto
Canto, canto
Raposa e sereia
Da terra e do mar
Na tela e no ar

Você é virtualmente
Amada amante
Você real é ainda
Mais tocante
Não há quem não se encante
Um método de agir
Que é tão astuto
Com jeitinho
Alcança tudo
Tudo, tudo
É só se entregar
E não resistir
É capitular

Capitu
A ressaca dos mares
A sereia do sul
Captando os olhares
Nosso totem tabu
A mulher em milhares
Capitu

No site O seu poder
Provoca o ócio, o ócio
Um passo para o vício
Vício, vício
É só navegar
É só te seguir
E então naufragar

Capitu
Feminino com arte
A traição atraente
Um capítulo à parte
Quase vírus ardente
Imperando no site
Capitu 

(Revista Língua Portuguesa n° 20 – 2007 – Ano II)


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