Raimundo de Menezes
O homem
engraçado que viveu em Emílio de Menezes fez escola e teve adeptos.
A sua geração consagrou-o como o
maior de nossos gênios espirituosos, depois de Paula Nei, que lhe cedera o
principado com a sua morte em 1897. Emílio chegara depois, e teve a sua
coroação nos começos deste século.
Eis algumas piadas de Emílio
coligidas por Humberto de Campos, e contadas no seu discurso de recepção na
Academia de Letras:
Guimarães Passos era, como se sabe,
tuberculoso, e vivia em perpétua luta com a moléstia insidiosa. Um dia,
apareceu nas livrarias o “Tratado de Versificação Portuguesa”, do autor dos
“Versos de um simples”, e cujo produto ele reservava para uma viagem à Europa,
onde pretendia curar-se.
– Coitado do
Guima! – comentou Emílio de Menezes, uma tarde na antiga Colombo.
E simulando
pena:
– Desde que
o conheço que ele, coitado, tem “tratado de ver se fica são!”...
Achava-se Emílio de Menezes em uma roda
da Pascoal, quando chegou um amigo e apresentou-lhe um rapaz que vinha em sua
companhia:
– Apresento-te Fulano; é o nosso
patrício e tem corrido o mundo inteiro! Fala corretamente o inglês, o francês,
o italiano, o alemão e o espanhol.
O rapaz sorria, modesto, ante os
elogios e a palestra voltou ao que era. Ao fim de uma hora, durante a qual
apenas proferiu alguns monossílabos, o viajante despediu-se, e se foi embora.
– Que tal
esse camarada? – perguntou a Emílio um dos da roda.
–
Inteligentíssimo, sobretudo, muito criterioso – opinou o rei dos boêmios.
– Mas ele
não disse palavra!
– Pois, por
isso mesmo, tornou Emílio.
E rindo:
– Você não
acha que é ter talento saber ficar calado em seis línguas diferentes?
Em uma cervejaria de São Paulo, cujo
soalho, como é de praxe nos estabelecimentos do gênero, se achava coberto de
serragem, bebiam Emílio de Menezes e alguns amigos, quando um conhecido
engenheiro, falando de arte, começou a louvar Florença, e a influência dos
florentinos na Renascença. No auge, porém, do entusiasmo, põe-se de pé, afasta
a cadeira e, ao sentar-se de novo, projeta-se de costas no chão. Levanta-se
sujo de serragem, quer insistir.
– Sim, é aos
florentinos que devemos todo esse patrimônio artístico...
– Homem –
intervém Emílio de Menezes – deixa os florentinos...
E
limpando-lhe a serragem:
– Tu agora
estás “à milanesa”.
Entre as figuras de relevo que
serviam de alvo habitual à sátira impiedosa de Emílio de Menezes, estava
Capistrano de Abreu, historiador ilustre, sábio respeitadíssimo, em torno do
qual se criara uma glosadíssima lenda de desleixo, de abandono próprio, e,
mesmo, falta de higiene. Utilizando essa versão popular, conta o poeta:
– Uma vez, o Capistrano mandou à
tinturaria, para ser lavado, um terno com que andava há doze anos. Uma semana
depois, apareceu-lhe à porta um empregado da tinturaria, e entrega-lhe um
embrulho pequenino, que lhe cabia nas mãos.
E como lhe
perguntavam o que seria, Emílio concluía, invariável:
– Eram os
botões, menino! A roupa, de puída e velha, havia se dissolvido n’água.
Certa vez, ia Emílio de Menezes em um
bonde, quando se sentaram no banco imediato, em frente, duas senhoras de
grandes banhas, que dificilmente puderam entrar no veículo. Com o peso das duas
matronas, o banco, que era frágil, range, estala, geme, estranhando a carga. O
poeta, que observa o caso, leva a mão à boca, no gesto característico, e põe-se
a rir em silêncio, no seu riso sacudido e interior.
E como o
companheiro o olhasse, explicou:
– Sem
senhor! É a primeira vez que eu vejo um banco quebrar por excesso de fundos...
Emílio visitava uma Exposição de
Cereais. Entra um fabricante de espírito barato e, vendo-o, grita:
– É
milho!...
E o cantor
de “Pinheiro Morto”, cofiando e desconfiando o bigode:
– Você hoje
está com a veia...
E vendo que
o outro queria escapulir, embarga-lhe os passos:
– Não
s’evada!... Com isso é que eu me in... trigo!
E
plantando-o numa cadeira:
–
Sentei-o...
O Senhor Bastos Tigre, amigo e
companheiro inseparável de Emílio, colecionou, entre muitas outras várias
anedotas cuja paternidade cabe ao poeta boêmio:
Um famoso jornalista da época, que
andara metido, no Rio, numa negociata de fornecimento de moedas de prata,
voltava da Europa. Contava ele, na impiedosa roda da “Colombo”, que assistira,
em Londres, como convidado de honra, ao grande banquete do “Mayors”.
– Uma coisa
fantástica, dizia ele; imaginem que os talheres eram de ouro...
– Mostra! –
atalhou Emílio, fazendo menção de abrir o paletó do narrador.
Certa vez,
S., poeta sem estro, apareceu a Emílio, na confeitaria, sentou-se, e disse:
– Escrevi ontem dois sonetos. Hoje
burilei um deles. Aqui está. Vou ler e você me dirá a sua impressão. Amanhã
trarei o outro.
Leu com
ênfase, martelando as tônicas, sob silêncio. Ao cabo, inquiriu, triunfante:
– Que tal?
Muito calmo,
cofiando os longos bigodes, Emílio redarguiu:
– Gosto mais
do outro...
Aqui vão algumas colhidas em outras
fontes:
Tornara-se indesejável a permanência
de certo figurão no cargo de ministro, e, entretanto, não pedia exoneração...
Era assim
comentado na roda de amigos de Emílio de Menezes:
– É uma
injustiça combatê-lo, pois é um estadista insigne!...
Emílio
aproveitou a deixa para trocadilhar:
– É um
“insigne... ficante!”
Foi no verão de 1914. Na casa do
Comendador X, realizava-se grande baile comemorativo ao aniversário de sua
filha.
Numa roda de intelectuais, prendia a
atenção, com seus chistes e trocadilhos, Emílio de Menezes.
Eis que se aproxima uma senhora, toda
donairosa, e, entre mil perguntas pueris, dirige-se ao grande boêmio: Sr. Emílio!
Sabe quais são os encantos da mulher?
– “Sei-os”,
minha senhora.
Longa, como
se vê, é a miscelânea do “humor” emiliano.
Outras e muitas outras piadas, para
mais de vinte mil, existem por aí que lhe são atribuídas, e cuja paternidade
não lhe pertenceu jamais.
Ele mesmo costumava protestar,
indignado, contra a autoria que lhe emprestavam de tudo que aparecia,
“desvernaculizado”, com pretensões a espírito, nas rodas de letras e de
imprensa:
– “Eu não sou a Sapucaia das
perfídias alheias sem graça e sem gramática!”, clama, melancólico, nos últimos
tempos.
(Do livro “Emílio de
Menezes, o Último Boêmio”)
Outras histórias de Emílio de Menezes
Emílio de Menezes ia ao final de
todos os meses ao Tesouro para receber do salário de um cargo público que
exercia. E ao entrar ali era sempre abordado por um sujeito que, chorando as
suas misérias, conseguia extorquir-lhe uma cédula de cinco mil réis.
Certa vez o
mordedor exagerou nas suas lamentações:
– O senhor não imagina – gemia, – o
que eu tenho passado. Basta dizer-lhe que há quinze dias não como!
– O que,
homem? – espantou-se o poeta.
E para os
funcionários:
– Este
camarada com certeza já está com teias de aranha no céu da boca!…
Olavo Bilac passa pela Cervejaria
Brahma, na Avenida Rio Branco, às 7 horas da manhã, quando teve a grande
surpresa de ver Emílio de Menezes, displicentemente sentado no interior do bar,
tendo a frente um respeitável copo de chope.
Bilac,
aproximando-se de Emílio, disse-lhe em tom brejeiro:
– Mas,
então, Emílio, já?
Ao que
Emílio de Menezes respondeu:
– Já, não.
Ainda…
Certa vez Emílio de Menezes
encontrou na rua com Teixeira Mendes, pregador da religião positivista, que lhe
explicou:
– Vou para o
apostolado.
Ao que
Emílio retrucou:
– Ah, pois
eu vou para o lado oposto…
Não tendo o que fazer Emílio de
Menezes aceitou, certa vez, o convite de um médico da Saúde Pública para
acompanhá-lo na fiscalização de uma fábrica de salsichas.
À saída
disse o poeta:
– Agora sei
por que é que as salsichas são cobertas com uma tripa.
– Por que é?
– perguntou o médico.
– É para a
gente não saber o que há dentro…
Emílio de Menezes, sempre muito
reparador, tudo comentava. Podia até perder o amigo, mas não perdia a piada.
Sempre, com seu grupo de amigos, observava todos e todas que passavam. Num cair
da tarde, em plena rua do Ouvidor, passava uma dama elegante brilhando em joias
e um dos amigos de Emílio exclama:
‒ Que ricas
joias leva essa dama!
E Emílio que observava a dama, e
ouvira a exclamação do amigo, não deixou por menos e maliciosamente esclareceu
a origem das joias:
‒ Podem ser
di... amantes...
Na Colombo, o boêmio saboreava siri
recheado e expunha a Pedro Rabelo, um dos seus diletos amigos:
‒ Sempre que
saboreio isto, evoco os lagos pitorescos da Suíça.
Pedro estranhou:
‒ Na Suíça não há siris.
Emílio acrescentou, mostrando o prato:
‒ Aqui também não há.
Pedro estranhou:
‒ Na Suíça não há siris.
Emílio acrescentou, mostrando o prato:
‒ Aqui também não há.
Emílio se incomodava muito com as
pessoas que o achavam gordo; dizia sempre que eram uns chatos. De gênio
espeloteado, se irritava com facilidade, principalmente quando alguém lhe
batendo à barriga, com exagerada intimidade, fazia referência ao seu abdome que
se avolumara desde a última vez que o vira.
‒ Então,
Emílio, como engordaste! O que há aqui por dentro, heim?
O boêmio, num gesto, indicando com a mão, da cabeça até o estômago, explicou:
‒ Até aqui uísque... daqui para baixo, parati.
O boêmio, num gesto, indicando com a mão, da cabeça até o estômago, explicou:
‒ Até aqui uísque... daqui para baixo, parati.
Emílio contava que quando Sherlock
Holmes morreu, São Pedro recusou-se a recebê-lo. Negativas atrás de negativas.
Depois de tanta insistência deixou-o entrar com uma condição: encontrar a mãe
de Adão. Sherlock concordou.
Passaram-se
meses até que chega o famoso detetive com a mãe de Adão.
‒ Eis a mulher que procuras! Exclamou num
semblante de júbilo, apontando uma senhora de andar trôpego.
‒ És a mãe de
Adão?
‒ Em carne e osso, meu bom
santo.
‒ E por que você a conhece? Indaga São
Pedro, meio assustado com a descoberta do inigualável policial.
‒ Porque é a
única mulher que não tem umbigo aqui no céu!
Frequentava a roda emiliana um certo
guarda-livros, metido a conquistador e que se caracterizava pelo tamanho
descomunal das orelhas, que em sua última aventura donjuanesca levou uma
tremenda surra do marido ultrajado. Quando reapareceu completamente estropeado,
Emílio fez-lhe um epitáfio:
Morreu depois de uma sova
E como não tinha campa,
De uma orelha fez a cova
E da outra fez a tampa.
Quando ingressou na Academia Brasileira
de Letras o notável escritor João do Rio, homossexual assumido, de roupas
espalhafatosas, Emílio com a maldade de sempre celebrou o fato com estes
versos:
Na previsão de próximos calores,
A Academia que idolatra o frio,
Não podendo comprar ventiladores,
Abriu as portas para o João do Rio...
Da coluna Rio de Sempre, do Blog do Noblat
→ Emilio, prático farmacêutico,
jornalista e poeta, nasceu em 1866, em Curitiba, e com 18 anos chegava ao Rio.
No bolso trazia alguns poemas simbolistas, estilo poético a que mais se
aproximava. Em pouco tempo, tornou-se um crítico feroz dos simbolistas e
abraçou o parnasianismo.
→ Logo após sua chegada, conhece a turma de boêmios e poetas que se reuniam nas confeitarias e cafés do centro da cidade e se torna um dos mais assíduos e brilhantes da roda. Era considerado pelos amigos como uma pessoa excêntrica e extravagante.
→ Logo após sua chegada, conhece a turma de boêmios e poetas que se reuniam nas confeitarias e cafés do centro da cidade e se torna um dos mais assíduos e brilhantes da roda. Era considerado pelos amigos como uma pessoa excêntrica e extravagante.
→ Luis Edmundo, chamado para
falar de Emilio, assim se manifestou: “Atenção, meus senhores, atenção, que vai
passando o homem de maior prestígio nas rodas boêmias do seu tempo! É um
conversador admirável: vivo, leve, amável, gracioso. Sua prosa incisiva e
mordaz é toda uma seqüência amável de jeux de mots, trabalhada em planos
humorísticos, brilhante, imprevista, nova, repontando aqui, acolá, em boutades,
em deformações gaiatas de tipos, de costumes, e de coisas...”
→ Emílio viveu um Rio que se
transformava com a mudança do Império para República, presenciou as picaretas
do prefeito civilizando a cidade, participou da vida jornalística que ganhava
novos contornos. Seu perfil de boêmio valorizou a boemia da cidade. Soube, como
ninguém, ser um transeunte atento às coisas da cidade: as ruas, os bondes e as
pessoas que ganharam vida em seus textos e blagues. Com ele e sua turma nasceu
o espírito do carioca.
→ E quem passe pelo Largo do
Machado, em frente ao Café Lamas, vai encontrar a herma do grande poeta. Local
escolhido por ser ali o último estágio dos poetas, escritores, artistas
plásticos da sua época como Bilac, Patrocínio, Coelho Neto, Luis Murat, Raul
Pederneiras, Pardal Mallet, Bastos Tigres, e tantos outros que encerravam as
peripécias de suas noitadas.
→ Procurei a herma e não achei!
→ Pouco antes da sua morte, já no
leito, seu amigo Alberto Oliveira pergunta-lhe: “Como está passando?” Emílio
olha para a mesa cheia de remédios e responde: “Não há mais remédio...”. Seu
último trocadilho.
→ Em 1913, Oswald de Andrade, escritor paulistano e um dos idealizadores do movimento modernista de 22, enviou carta a Emilio dizendo:
“Emilio, quero viver muito tempo para que, velho, passando pela sua estátua, eu possa dizer aos moços que te conheci de perto, e explicar que, homem, eras ainda maior que o Poeta. A glorificação que te trarão os teus versos será bem mesquinha, decerto, por maior que seja, ao lado dos templos que se irão erguendo para o teu culto no coração dos teus amigos”.
→ Essas e outras histórias de
Emílio Menezes e de sua época são encontradas no livro de Raimundo de Menezes
(que era cearense, e nada tinha a ver com Emílio) “Emílio de Menezes, o Último
Boêmio”, Editora Saraiva, 1949 (certamente só disponível em sebos). O livro
permite conhecer hábitos incríveis da cidade do Rio, como a história das vacas
leiteiras, com campainhas ao pescoço, que eram tangidas até ao centro e
permitiam tomar-se leite em copo quentinho, tirado na hora, e isso se tornara
muito comum e dava a nota característica à rua que amanhecia... Mais tarde,
Francisco Pereira Passos, prefeito da cidade entre 1902 e 1906, acabou com esse
feio hábito.
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