Oscar Bessi*
Eu não sei exatamente o que acontece
com os vícios. Não sou psicólogo. Eu me entreguei a poucos na vida, talvez
algumas experiências efêmeras, bengalas oportunas para tantas incertezas
temporais. Mas meu receio de ficar dependente, creio, veio de me virar sozinho,
ter que escavar minha estrada para existir alguma opção ou espaço, então
precisei optar pela sobrevivência quando a fuga ou a diversão, pura e simples,
também eram opções. Sedutoras. Ao não querer me entregar ao prazer por si só,
eu me perguntava sobre o depois, “coisa de pobre”, brincava um amigo. Nada
disso. Entregar-se ao prazer é muito humano. Ser vencido pelas pressões da vida
também. Derrota é renunciar definitivamente à felicidade. Só que nenhum vício
leva à felicidade concreta, eis um fato.
Dia desses, numa esquina, a jovem
motorista para seu carro de um jeito estranho. Meio atravessado, com pressa,
penso na hora que pode ser um carro roubado, ainda que raramente mulheres
pilotem veículos nesse tipo de crime. Crimes e violências, aliás, ainda seguem
muito masculinos. Ela baixa a cabeça. Passa mal? Ao chegar ao seu lado, tento
lhe chamar a atenção, ela ignora. O sinal fica verde, ela tranca o trânsito em
duas pistas e não me ouve, apenas encara o aparelho de tela luminosa na mão,
onde digita algo com os dedos que deveriam estar no volante. E seus olhos e
lábios sorriem por conta de alguma mensagem no smartphone. Buzinas protestam.
Outros motoristas se impacientam. Um se atravessa de repente e quase uma
colisão acontece. Ela só então ouve buzinas e gritos, xinga para os lados e
arranca. Vai repetir o ato em outra esquina, sob outro semáforo, tenho certeza.
É vício. É febre incontrolável.
Lembro-me de um amigo que pediu
sugestões para uma rifa, ou algo que desse de imediato o dinheiro que não tinha
para pagar os estragos de seu carro. E também a caminhonete caríssima de outro
sujeito que vinha na estrada, na pista contrária, que ele invadiu ao olhar o
celular, checar rede social, ansioso pela mensagem de um affair. Deu de frente, felizmente não teve feridos graves. Penso no
quão comum anda isto no nosso trânsito. Gente demais morrendo e matando, sendo
atropelada e causando tragédias graças ao vício em smartphones. Em
redes sociais. É dirigir e digitando mensagens, pedalar e ler com pressa de
responder algo que poderia, com certeza absoluta, esperar. O vício nos
celulares e redes sociais cresce, faz milhares de vítimas no trânsito e no
cotidiano das pessoas. Mas já tem tratamento especializado. Inclusive em Porto Alegre. O
problema, ainda, é a pessoa aceitar, entender o perigo para si e para tantos e
buscar essa cura. Dificuldade de todo vício. E se você olha muito o seu celular
durante seu cotidiano, preocupe-se. Há uma arma engatilhada em suas mãos. Que
você ignora ou curte e compartilha.
(No Correio do Povo,
de 5.8.2017)
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*Oscar Bessi Filho nasceu na
cidade de Porto Alegre, em 04 de setembro de 1970. É autor dos livros “O outro
lado do caleidoscópio”, “Um caminho no meio das pedras”, “Marx não foi à praia”
e “O silêncio mais profundo”, entre outros. É capitão da BM. Mais em www.oscarbessi.com.br
Esse texto relata a realidade, não só no trânsito de automóveis acontece, eu ando de bike e varias vezes, tenho que desviar de um ciclista, que só pode ser compulsivo, lendo ou passando mensagem, é um exagero. Bom texto ACB
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