Esta rara e pouco conhecida aquarela
foi feita pelo artista francês Jean Baptiste Debret entre 1817/29 e consta do
belo livro de Pedro Correia do Lago “Debret e o Brasil”, lançado recentemente
pela Editora Capivara, onde são reproduzidas mais de 1.300 obras de Debret,
muitas delas inéditas.
É este o primeiro registro
iconográfico de um mau hábito carioca, o de urinar na rua, onde bem lhe
aprouver. A aquarela pertence a Jean Boguici. Nenhum artista tratou desse tema,
infelizmente tão atual. Anexo um texto sobre nossos porcos e velhos hábitos.
Coprologia Histórica
Recentemente, a subprefeitura do
Centro lançou uma campanha de mudança dos costumes muito boa. A municipalidade
gasta verdadeiras fortunas com a limpeza e remoção de excrementos e urina dos
logradouros do Rio.
A falta de educação de alguns, aliada
também à falta de bons banheiros públicos, generalizou o costume incivilizado
de parte da população carioca se desobrigar atrás de todas as árvores, postes,
esquinas e monumentos públicos da cidade. A campanha contará com cartazes
moralistas relatando que “...esta não era a educação que seus pais lhe deram”.
Apesar de a medida ser altamente
meritória e necessária, os dizerem não encontram respaldo na história.
Com efeito,
não são poucos os viajantes que se referem à sujeira das ruas do Centro do Rio
no início do século XIX.
As casas não tinham banheiros. No
máximo, uma “casinha” no quintal, cuja fossa era limpa à noite por um escravo,
o qual recolhia o conteúdo em tonéis de barro e depois conduzia esse “cabungo”
na cabeça até a praia ou terreno baldio mais próximo, onde era feito o despejo.
Como, frequentemente, esse tonel
vazava e tingia o infeliz de malcheirosas manchas, o povo apelidava esses
pobres escravos de “tigres”.
A urina, por sua vez, era despejada
das janelas das casas em urinóis, em plena rua. Uma lei de 1776 obrigava apenas
ao arremessante a bradar antes a advertência: “água vai!”.
Quanto ao
povo, este se desobrigava em qualquer lugar.
Não existiam pudores ou restrições.
Afinal de contas, eram poucas as mulheres que saíam às ruas e, quando saíam,
era aos domingos, e sempre acompanhadas de seus maridos ou pais.
Nas ruas do Rio, no dia-a-dia de
1800, somente homens e escravos perambulavam. Para piorar a situação, o mau
exemplo vinha de cima. Vinha do próprio Rei!
D. João VI comia muito, muito e mal.
Diabético e doente, nem por isso se continha à mesa, devorando, por vezes, de
quatro a seis frangos por refeição. Quando o Rei partia do Palácio de São
Cristóvão em direção ao Centro, em sua carruagem não poderiam faltar um urinol,
penico e os respectivos criados responsáveis pela sua higiene. No trajeto, a
carruagem parava ao menos duas vezes.
Quando era a vez do Rei “obrar”, a
carruagem estancava, um criado montava o “trono” portátil e a guarda cercava
Sua Majestade, impedindo os curiosos de ali passar. D. João sofria de flatulência,
soltando gazes em todas as ocasiões, solenes ou não. Coitado do criado que
esboçasse um riso ou gracejo. Seria cortado do serviço no Paço!
Vieira Fazenda, historiador carioca,
relata o caso duma procissão de Corpus Christi em que o Rei arriscou um flato e
este veio “acompanhado”; o que obrigou D. João a correr para uma casa na Rua
Direita (atual Primeiro de Março), atrás de um “trono”.
D. Pedro I herdou esse problema. A
diarreia histórica mais famosa que conhecemos é a que acometeu o Príncipe, às
margens do Riacho Ipiranga, em
São Paulo , a 7 de setembro de 1822.
Os historiadores citam que a viagem
se retardara muito porque D. Pedro tinha de “...se apear do cavalo de meia em
meia hora para obrar”. Estava nessa situação quando o correio Paulo Bregaro lhe
entregou as cartas do Conselho de Estado, que pediam nossa Independência.
D. Pedro se conteve como pôde, reuniu
a guarda, informou-os da situação e deu o famoso brado que nos libertou de
Portugal.
Em 1824, D. Pedro I assistia a uma
parada dos soldados mercenários alemães na Fortaleza da Praia Vermelha, quando
pediu desculpa aos oficiais, se agachou perto dum muro e “obrou” na frente dos
embasbacados militares.
Um desses militares alemães escreveu
um diário onde relata que, quando ainda jovem, o Príncipe D. Pedro costumava
urinar do alto da varanda do Palácio de São Cristóvão nos soldados que passavam
embaixo.
Nas cartas que enviou à sua amante,
Marquesa de Santos, D. Pedro cita por várias vezes seus problemas gástricos.
Numa missiva do Imperador datada de
13 de dezembro de 1827, existente no acervo do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, ele conta que “...Cheguei a
casa, tomei a tisana (remédio) e
obrei até agora cinco vezes e muito.” Noutra carta, esta sem data, mas
igualmente da coleção do IHGB, ele conta que “...Eu não passei muito bem... ...depois obrei e agora estou perfeitamente bom...” Nem todas as
cartas de D. Pedro eram assim. Numa delas, datável de julho de 1826, ele até
escreveu no envelope um poema à sua amada:
“Este lindo passarinho canta,”
“brinca, pica e fura,”
“mas quando torna a repicar,”
“é mais doce a pica dura.”
A Marquesa
era até informada dos problemas coprológicos das filhas do Imperador.
Na carta datada de 23 de setembro de
1827, da coleção Caio de Mello Franco, D. Pedro relatava que a filha de ambos,
Duquesa de Goiás, “...tomou um purgante
de óleo de mamona, com que obrou três vezes e deitou uma lombriga.”
Afinal, no meio dessa literatura “tão
romântica”, D. Pedro pediu perdão à sua Marquesa pelos assuntos tão
particulares assim relatados, justificando-se, na carta de 13 de dezembro de
1827, de que nele “A fruta é fina, posto
que a casca seja grossa”.
Portanto, se a
subprefeitura for contar com a educação de nossos antepassados, -
estamos roubados!
Milton de Mendonça
Teixeira - Historiador
* obrar = defecar
Nenhum comentário:
Postar um comentário