terça-feira, 19 de setembro de 2017

Morte por honra da vida


Escrito por Joel Rufino dos Santos


Os dois escritores ficaram em lados opostos. Bilac era civilista e neoliberal (diríamos hoje). O Brasil só iria pra frente se o Estado não se metesse, se tratássemos bem o capital estrangeiro etc. Pompeia, ao contrário, era jacobino: só o nacionalismo nos salvaria através de um Estado forte que controlasse o capital estrangeiro etc.


Em abril de 1892, estava marcado um duelo no Rio Comprido, zona norte do Rio de Janeiro. Raul Pompeia se bateria com um poeta cujo nome é um verso de 12 sílabas, alexandrino perfeito, Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac. Motivo: Bilac insinuou, na imprensa, que o autor de O Ateneu se masturbava toda noite. Pompeia, em resposta, insinuou que Bilac era filho de um incesto.


De fato, a briga era mais séria e antiga. Ex-colegas na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, São Paulo, os dois divergiam politicamente. Com o governo Floriano Peixoto (1892-94), a opinião pública chegou àquele ponto em que os nós não se desamarram mais: cortam-se. Os dois escritores ficaram em lados opostos. Bilac era civilista e neoliberal (diríamos hoje). O Brasil só iria pra frente se o Estado não se metesse, se tratássemos bem o capital estrangeiro etc. Pompéia, ao contrário, era jacobino: só o nacionalismo nos salvaria através de um Estado forte que controlasse o capital estrangeiro etc.

Escreviam em jornais inimigos e, com pouco, partiram para ofensas pessoais. Estas levaram ao duelo. Pediram a Pompeia que escolhesse as armas. “Tanto faz. Nunca usei nenhuma.” A polícia soube e chegou a tempo. Marcaram uma segunda vez, agora no ateliê do escultor Bernadelli, na Lapa. Sacaram os floretes, depois de desinfetados, mas os padrinhos decidiram dar por encerrado o desafio.

Honras lavadas, os amigos de outrora se apertaram as mãos, meio sem jeito. A briga, porém, não acabou. Pompeia era diretor da Biblioteca Nacional. Floriano morreu e seus restos iam ser trasladados. No cemitério São João Batista, Pompeia fez um discurso vermelho. A oligarquia latifundiária e o imperialismo iam acabar com o Brasil etc. A polícia do governo Prudente de Morais, que era o contrário de Floriano, acabou com o comício fúnebre. Bilac aprovou, pediu a demissão de Pompeia. Prudente o demitiu.

Outra vez, desmanchar o nó era tarde, só cortando. Dias depois, Pompeia tirou férias da imprensa. Enquanto isso, outro adversário, Luís Mürat, continuou a desancá-lo. Pompeia soube um mês depois, se queimou. Que pensariam os amigos e leitores? Que não respondeu por covardia.

O Natal de 1895 chega um pouco nublado. No palacete número 116 da Rua São Clemente, em Botafogo, o único homem da família está inquieto e sozinho. Não quer conversa com a mãe nem com a irmã. Três dias antes, disse a um amigo:

“No Brasil, só há um ato digno para um homem honesto: pegar de um revólver e salpicar com os miolos esta terra sinistra e ao mesmo tempo pulha.” Por volta do meio-dia, ouviram um estampido num dos quartos que dava para a rua. Acharam agonizante o autor de O Ateneu, o filho querido daquela abastada família de Jacuecanga, em Angra dos Reis. Não estourou os miolos. Deu um tiro na altura do coração. Deixou um bilhete:

“À Notícia e ao Brasil declaro que sou um homem de honra”. 


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