segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Tá faltando um...



Aeromoça da Panair

Historinha do Edu, famoso comandante da Panair; motivo da marchinha de carnaval “Oi, zum, zum, zum, zum, zum tá faltando um”, cantado pelos Cafajestes.

Eduardo Henrique Martins de Oliveira era um gozador. Muitas vezes entrava mo avião, deixando cair à vista dos passageiros, porcas e parafusos de um bolso previamente furado.

Mas a melhor era a seguinte:

Dez minutos antes, Edu ia até o banheiro do avião escalado, e passava chocolate no tampo da privada. Em seguida, dizia para a chefe das aeromoças.

- Senhorita, em cinco minutos vamos fazer a check do avião. 

Entravam os dois na cabine e começava a inspeção: 

- Poltronas, hum... hum; guarda-bagagens, hum... hum, cobertores...

Até chegarem ao banheiro. E para horror da moça lá estava aquela massa marrom sobre o tampo.

Edu, fuzilante, perguntava: 

- Senhorita, o que é isso? 

- Na... na... não sei, comandante. 

Aí Edu passava o dedo, tirava um naco do troço e punha na boca. 

- Isto é cocô, senhorita! Cocô!

Mas ela, desmaiada, não ouvia mais nada.

Nota de esclarecimento:


O comandante Edu morreu em 28 de junho de 1950, quando o Constelation PP-PCG, modelo acima, acidentou-se na aproximação para Porto Alegre. Não houve sobreviventes.


Eduardo Henrique Martins de Oliveira, o comandante Edu, numa montagem com o Constellation, o avião que fez história na aviação comercial brasileira. Acervo família de Eduardo.

A música citada foi composta por Fernando Lobo e Paulinho Soledade, também comandante, e colega de Panair. Diz a lenda que na mesa em que foi composta, estavam também Aracy de Almeida e Dorival Caymmi. Vinham todos da missa de sétimo dia do Edu.

Zum zum

(Paulo Soledade e Fernando Lobo)

Oi, zum, zum, zum,
Zum, zum, zum, zum
Tá faltando um. (bis)

Bateu asa, foi embora,
Desapareceu.
Nós vamos sair sem ele.
Foi a ordem que ele deu.

Oi zum, zum, zum.
Zum, zum, zum, zum
Tá faltando um. (bis)

Ele que era o porta-estandarte
E que fazia alaúza e zum zum.
Hoje o bloco sai mais triste sem ele
Tá faltando um.

A morte os esperava no Morro do Chapéu

Entre eles ninguém cogitava de ir para o céu, padecer no purgatório ou arder no inferno. Eram fuzarqueiros, mulherengos, boêmios, ligadões nas boas farras da vida. Ninguém melhor do que eles, os membros do “Clube dos Cafajestes”, representava a alma carioca das décadas de 40 e 50. Para eles, o paraíso, o começo e o fim da vida, era Copacabana.

Heleno de Freitas, centroavante do Botafogo e da seleção brasileira fazia parte do grupo. O doutor Heleno, como alguns o chamavam porque havia se formado em Direito, tinha o diploma da malandragem, exigida pelo Clube dos Cafajestes. Outro galhofeiro da turma era o jornalista Sérgio Porto, que escrevia com o pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta, e se tornou famoso, mais tarde, como autor do “Samba do Crioulo Doido”.

Mas uma figura que pontificava no Clube, tendo sido seu fundador e presidente, idolatrado por todos, era o comandante Edu. Folgazão e irreverente, sempre de bem com a vida, e pronto para qualquer sacanagem tropical, Eduardo Henrique Martins de Oliveira era piloto da Panair do Brasil.

Naquele dia 28 de julho de 1950, pilotando o “Constellation” prefixo PP-PCG, Edu decolara do Galeão às 15h47min, rumo a Porto Alegre. Como sempre, alegre, brincalhão e festeiro, havia prometido aos companheiros do Clube a melhor carne gaúcha para churrasco, chegasse ele a hora que chegasse de volta, na Confeitaria Alvear, em Copacabana.

Entre os passageiros do “Constellation” estava Zenir Aita, uma jovem santamariense, certamente pastoreando seus pensamentos cristãos. De tradicional família católica, exemplo de retidão cristã, aos 23 anos já era docente do Curso de Formação de Professores da Escola Normal Olavo Bilac. Acompanhada de seus tios, fora passar as férias de julho no Rio de Janeiro.

Na hora prevista para o pouso em Porto Alegre, já anoitecia e a região metropolitana estava banhada por uma daquelas chuvas intermitentes de inverno, acompanhadas de cerração. Ao anunciar aterrissagem à Torre de Controle, o comandante Edu não obteve permissão, porque o então Aeródromo São João, naquelas condições climáticas, com sua pista de chão puro, não comportava pouso de aviões tipo “Constellation” e “Douglas”.

O piloto recebeu então a ordem de pousar na Base Aérea de Gravataí, onde já havia piso asfaltado. Mas, tinha pela frente o desafio de encontrar o quadrilátero de aterrissagem, escondido sob a noite, a cerração e a chuva: a Base não possuía instrumentos sinalizadores de aproximação.

Eram oito da noite em São Leopoldo, quando o silêncio do Morro do Chapéu, encoberto pela neblina e pela escuridão, foi destruído por um estrondo de guerra e um crepitar de chamas gigantescas: havia um gigante de pedra no caminho daquelas 51 vidas que estavam a bordo do Constellation da Panair. Sem dar tempo para o calafrio final, o cataclismo a ninguém poupou, decompondo corpos ou os entregando às chamas.

Ao lhes negar, para sempre, o amanhecer de todos os dias, o acaso da morte igualou os opostos na vida. O Clube dos Cafajestes esperou, numa vigília inútil, a volta de seu líder e a carne para o churrasco. Em Santa Maria, o jornal A RAZÃO estampava a manchete: “Maior desastre da aviação brasileira”. E anunciava para a cidade, oprimida entre a estupefação e a tristeza, a substituição da missa de aniversário dos doze anos da Escola Normal Olavo Bilac, por uma missa pela alma de Zenir Aita.
   
Crônica de João Eichbaum


Nenhum comentário:

Postar um comentário