Artur da Távola
“... Ah, o
diferente, esse ser especial!
Diferente não é quem pretenda ser.
Esse é um imitador do que ainda não foi imitado, nunca um ser diferente.
Diferente é quem foi dotado de alguns mais
e de alguns menos em hora, momento e lugar errados para os outros. Que riem de
inveja de não serem assim. E de medo de não aguentar, caso um dia venham, a
ser. O diferente é um ser sempre mais próximo da perfeição.
O diferente nunca é um chato. Mas é
sempre confundido por pessoas menos sensíveis e avisadas. Supondo encontrar um
chato onde está um diferente, talentos são rechaçados; vitórias, adiadas;
esperanças, mortas. Um diferente medroso, este sim, acaba transformando-se num
chato. O chato é um diferente que não vingou.
Os diferentes muito inteligentes
percebem porque os outros não os entendem. Os diferentes raivosos acabam tendo
razão sozinhos, contra o mundo inteiro. Diferente que se preza entende o porquê de quem o agride. Se o diferente se mediocrizar, mergulhará no complexo de
inferioridade.
O diferente paga sempre o preço de
estar ‒ mesmo sem querer ‒ alterando algo, ameaçando rebanhos, carneiros e
pastores. O diferente suporta e digere a ira do irremediavelmente igual: a
inveja do comum; o ódio do mediano. O verdadeiro diferente sabe que nunca tem
razão, mas que está sempre certo.
O diferente começa a sofrer cedo, já
no primário, onde os demais de mãos dadas, e até mesmo alguns adultos por
omissão, se unem para transformar o que é peculiaridade e potencial em aleijão
e caricatura. O que é percepção aguçada em: “Puxa, fulano, como você é
complicado”. O que é o embrião de um estilo próprio em: “Você não está vendo
como todo mundo faz?”
O diferente carrega desde cedo
apelidos e marcações os quais acaba incorporando. Só os diferentes mais fortes
do que o mundo se transformaram (e se transformam) nos seus grandes
modificadores.
Diferente é o que vê mais longe do
que o consenso. O que sente antes mesmo dos demais começarem a perceber.
Diferente é o que se emociona enquanto todos em torno agridem e gargalham. É o
que engorda mais um pouco; chora onde outros xingam; estuda onde outros burram.
Quer onde outros cansam. Espera de onde já não vem. Sonha entre realistas.
Concretiza entre sonhadores. Fala de leite em reunião de bêbados. Cria onde o
hábito rotiniza. Sofre onde os outros ganham.
Diferente é o que fica doendo onde a
alegria impera. Aceita empregos que ninguém supõe. Perde horas em coisas que só
ele sabe importantes. Engorda onde não deve. Diz sempre na hora de calar. Cala
nas horas erradas. Não desiste de lutar pela harmonia. Fala de amor no meio da
guerra. Deixa o adversário fazer o gol, porque gosta mais de jogar do que de
ganhar. Ele aprendeu a superar riso, deboche, escárnio, e consciência dolorosa
de que a média é má porque é igual.
Os diferentes aí estão: enfermos,
paralíticos, machucados, engordados, magros demais, inteligentes em excesso,
bons demais para aquele cargo, excepcionais, narigudos, barrigudos, joelhudos,
de pé grande, de roupas erradas, cheios de espinhas, de mumunha, de malícia ou
de baba. Aí estão, doendo e doendo, mas procurando ser, conseguindo ser, sendo
muito mais.
A alma dos diferentes é feita de uma
luz além. Sua estrela tem moradas deslumbrantes que eles guardam para os poucos capazes de os sentir e entender. Nessas moradas estão tesouros da ternura
humana. De que só os diferentes são capazes. Não mexa com o amor de um diferente.
A menos que você seja suficientemente forte para suportá-lo depois.”
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