Esboço da carta com a letra de Getúlio Vargas
"Deixo à sanha dos meus
inimigos o legado da minha morte. Levo o pesar de não haver podido fazer, por
este bom e generoso povo brasileiro e principalmente pelos mais necessitados,
todo o bem que pretendia. A mentira, a calúnia, as mais torpes invencionices
foram geradas pela malignidade de rancorosos e gratuitos inimigos numa
publicidade dirigida, sistemática e escandalosa. Acrescente-se a fraqueza de
amigos que não me defenderam nas posições que ocupavam, a felonia de hipócritas
e traidores a quem beneficiei com honras e mercês e a insensibilidade moral de
sicários que entreguei à justiça, contribuindo todos para criar um falso
ambiente na opinião pública do país, contra a minha pessoa. Se a simples
renúncia ao posto a que fui elevado pelo sufrágio do povo me permitisse viver
esquecido e tranqüilo no chão da pátria, de bom grado renunciaria. Mas tal
renúncia daria ensejo para com fúria, perseguirem-me e humilharem. Querem
destruir-me a qualquer preço. Tornei-me perigoso aos poderosos do dia e às
castas privilegiadas. Velho e cansado, preferi ir prestar contas ao senhor, não
de crimes que contrariei ora porque se opunham aos próprios interesses
nacionais, ora porque exploravam, impiedosamente, aos pobres e aos humildes. Só
Deus sabe das minhas amarguras e sofrimentos. Que o sangue de um inocente sirva
para aplacar a ira dos fariseus. Agradeço aos que de perto ou de longe
trouxeram-me o conforto de sua amizade. A resposta do povo virá mais tarde...
24 de agosto de 1954
Carta datilografada encontrada na cabeceira
da cama de Getúlio Vargas
Mais uma vez, as forças que os
interesses contra o povo coordenaram novamente, se desencadeiam sobre mim.
Não me acusam, me
insultam; não me combatem, caluniam e não me dão o direito de defesa. Precisam
sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a
defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes. Sigo o
destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos
econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci.
Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive
que renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos
grupos internacionais aliou-se a dos grupos nacionais revoltados contra o
regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no
Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os
ódios. Quis criar a liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas
através da Petrobrás, e mal começa esta a funcionar a onda de agitação se
avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o
trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente.
Assumi o governo dentro da espiral
inflacionária, que destruía os valores de trabalho. Os lucros das empresas
estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de valores do que
importávamos existiam fraudes constatadas de mais de cem milhões de dólares por
ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos
defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia
a ponto de sermos obrigados a ceder.
Tenho lutado mês a
mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma agressão constante, incessante,
tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para
defender o povo, que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar, a não
ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem
continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida.
Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis
minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis
em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos
vilipendiarem, sentireis no pensamento a força para a reação. Meu sacrifício
vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu
sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada
para a resistência. Ao ódio respondo com perdão. E aos que pensam que me
derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto
para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de
ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o
preço do seu resgate.
Lutei contra a
espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito
aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a
minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o
primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história.
§
§ §
Nota: Cada historiador e
até mesmo a imprensa, modifica, a seu bel prazer, a grafia, a pontuação e até
mesmo algumas palavras da Carta Testamento de Getúlio Vargas. Mantivemos o
mesmo conteúdo da carta fac-similar original, excluindo, apenas, os acentos
gráficos que já foram abolidos da Língua Portuguesa.
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