quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Conto na conta












Nem ele se reconhecia: estava dando patadas em casa, na rua, no trabalho. O tal do estresse. Gritava, buzinava, vociferava. Com muito custo convenceram o cidadão que ele precisava de uma boa duma análise. Antes que matasse o mundo.

Contrariado, foi. Falou (ou melhor, gritou) durante os cinquenta minutos regulamentares. O médico disse:

− Você precisa fazer uns exercícios para relaxar. Por exemplo: aqui no prédio, no térreo, tem um piano-bar. Desça, vá ao balcão, peça um dry martini. Mas não vire de uma vez.

Aprenda a controlar a sua ansiedade. Olhe para a bebida, cheire, admire a azeitona – não vá comendo de cara −, dê um pequeno gole, ouça a música.

Contrariado, foi. Entrou, casa vazia, um velhinho tocava Summertine ao piano. Pediu o dry martini. Já ia virando de uma vez, ouviu a voz do médico. Levantou a taça, admirou o conteúdo. Começou a se sentir melhor. Aquela musiquinha ao fundo, o bar vazio. E não é que a coisa estava funcionando? Nisso, olhou para a direita e viu um macaquinho andando pelo balcão, vindo na sua direção. Tenho que me conter, pensou rápido. O macaquinho veio chegando, chegando, parou ao lado da taça, meteu a mão lá dentro, pegou a azeitona, olhou para a cara dele, deu uma risadinha, deu uma mordidinha na azeitona e jogou o caroço dentro da taça.

Tudo que o nosso herói queria era estrangular o macaquinho, quebrar o bar inteiro e pedir o dinheiro de volta ao médico. Mas ele tinha que se controlar, tinha que se controlar. Olhou em volta, só tinha o velhinho tocando piano. Foi até ele, com os dentes trincados e disse:

− Um – macaquinho – enfiou – a mão – dentro – do meu – dry martini.

O velhinho interrompeu o Summertine, colocou a mão em concha na orelha e disse:

− Assovia o começo pra ver se eu me lembro da melodia...

(Crônica de Mário Prata)


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