Dad Squarisi*
Conhece a expressão “a sete chaves”?
Pois saiba que ela esconde um senhor mistério. Trata-se do número. Em Portugal,
lá pelo século 13, não havia cofres. Dinheiro, documentos, joias, metais
preciosos & tudo o mais que exigia proteção guardavam-se em arcas de
madeira. Elas tinham quatro fechaduras e, claro, quatro chaves. Cada uma ficava
com um servidor pra lá de graduado e merecedor da total confiança do rei. Abrir
o baú implicava cerimônia cuidadosa com a presença do quarteto.
Pergunta-se:
o que “a quatro chaves” tem a ver com “a sete chaves”? Resposta: o mistério. O
povo considerou o quatro sem graça. Preferiu o cabalístico sete para designar
segredo bemmmmmmmmmmmmmm guardado. A expressão dava ideia da curiosidade que o
conteúdo tão protegido despertava em homens, mulheres e crianças.
Desvendado
o enigma medieval, vale decifrar mistério contemporâneo. Trata-se da pronúncia
de sete palavras. Por motivos que até Deus ignora, elas caíram na boca do povo
e da elite. Mas, a exemplo do quatro que virou sete, trocou-se a sílaba tônica
dos vocábulos. O resultado é um só: a silabada bate pesado nos ouvidos. Quem
sente o golpe não deixa por menos. Foge. Os mais sensíveis são os apaixonados.
Sem resistir à dor, eles partem pra outra. Perdem-se promessas, juras e
eternidade. Confirma-se, assim, fato pra lá de conhecido. O amor é cego,
mas não é surdo. Olho na fortona (de forte):
Subsídio
Esta
palavra joga no time de subsolo, subserviente, subsalário, subsaariano,
subsimilar, subsíndico, subsinuoso. Em todas, o s que vem depois do sub
se pronuncia ss. Sem tossir nem
mugir.
Recorde
Recorde,
concorde e acorde orgulhosamente pertencem à equipe das paroxítonas. A sílaba
mandachuva é cor sim, senhor. Dizer
“récord”? É a receita do cruz-credo (e da Globo). Xô!
Rubrica
Rubrica
e fabrica são irmãzinhas inseparáveis. A força delas mora na casa do
meio - a paroxítona (bri). A dupla tem vizinhos legais. À direita, a
senhora oxítona. À esquerda, a dona proparoxítona. Confundir endereços?
Valha-nos, Deus. Papai Noel entregará os presentes para quem não pediu.
Convenhamos: ninguém merece pagar tal mico.
Nobel
Mabel,
papel e cruel se pronunciam do mesmo jeitinho. A sílaba tônica é a última. Na
dúvida, pense um pouco. Se Nobel fosse paroxítona, pertenceria à gangue de
móvel e automóvel. Teria acento. Como não tem, a conclusão é uma só. O nome do
prêmio mais cobiçado do planeta é oxítono e não abre. PT saudações.
Ibero
É
a forma alatinada de ibérico. Trissílabo e polissílabo têm o mesmo significado.
Designam os originários da Península Ibérica, que engloba Portugal e Espanha. A
menorzinha mantém a marca da grandona. A sílaba tônica de ambas é a mesma − be. Diga, pois, sem medo de errar: cúpula
ibero-americana, povos ibero-americanos, presidentes ibero-americano.
Gratuito
Fortuito
e circuito são como unha e carne. O ui
forma ditongo. Não se separa nem com sangue, suor e lágrimas. Vamos combinar?
Se a fortona recaísse no i, o
acentão pediria passagem como em cuíca.
Linguiça,
tranquilo, cinquentenário & Cia. perderam os anéis, mas mantiveram os
dedos. Em bom português: a reforma ortográfica lhes cassou o trema, mas a
pronúncia nem ligou. Sabida, hein? A reforma é ortográfica. Só atingiu a grafia
das palavras.
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*Dad Squarisi fez curso de letras
na UnB. Tem especialização em linguística e mestrado em teoria da literatura. É
editora de Opinião do Correio Braziliense e comentarista da TV Brasília.
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