Texto de Jaguar*
A estagiária de segundo caderno me
ligou querendo saber o que, na minha opinião, era um botequim.
− Ora – comecei a responder, e embatuquei. Foi aí que me dei conta: nunca tinha refletido sobre essa questão transcendental. Porra, a gente simplesmente vai a um boteco quando está a fim de tomar uma bebidinha, fazer hora, sei lá. Foi o que eu disse para a moça.
Mas, como toda estagiária de
segundo caderno, ela foi implacável:
− Seguinte: tenho que fechar a
matéria ainda hoje. Vai pensando no assunto, daqui a pouco ligo de novo.
Então vamos lá, antes que ela cumpra a ameaça. Pra mim, todo lugar onde se bebe é um botequim, seja o Bar Brasil, na Lapa, ou o maior boteco do Rio (pelo menos em tamanho), o Bar do Tom, anexo à Churrascaria Plataforma, no Leblon, ou o minúsculo Bunda de Fora, no Jardim Botânico.
.
Um botequim deve ser, de preferência, razoavelmente limpo. Mas não a ponto da gente pensar que está bebendo numa enfermaria. Ninguém morre de infecção contraídaem bar. E quantos já morreram
de infecção hospitalar?
Um botequim deve ser, de preferência, razoavelmente limpo. Mas não a ponto da gente pensar que está bebendo numa enfermaria. Ninguém morre de infecção contraída
Nunca me esqueço de uma vez que
levei o Nássara para conhecer a filial, num shopping da Barra, do Bar Luiz.
Além de genial caricaturista, ele foi também grande boêmio.
A decoração
lembrava em tudo o mais antigo bar do Rio. Mas tinha alguma coisa errada.
− Limpo demais – sentenciou –,
mas nada que alguns bons bebuns não resolvam.
Outro ponto a ser considerado:
bebericar em pé ou sentado? Estou cada vez mais convencido que beber em pé,
junto ao balcão, tem várias vantagens, a saber: primeiro, você é servido mais
depressa. Depois, fica mais fácil driblar os chatos, se você está numa mesa é
presa fácil, eles vão puxando uma cadeira e sentando ao seu lado. E depois você
pode escolher o tira-gosto de melhor aparência e fiscalizar se o cara do bar está
tirando direito o chope ou fazendo a batida como você pediu, só com meia
colherinha de açúcar.
E, é claro, seu santo tem que cruzar com o do garçom. É como um casamento, conheço boêmios que passam mais tempo com o garçom do que com a mulher.
O Bar Bico,
em Copacabana, é um bom exemplo desse tipo de botequim.*
Tem tudo que um boteco que se preze deve ter: de ovo cozido a sanduíche de churrasquinho, de caracu com dois ovos, o Viagra dos pobres, ao bate-entope mais barato, pão com ovo. O chope, da Brahma, é bem tirado, na manteiga (com muita pressão), como o cara do balcão comandou. E tem uma vantagem: você, do balcão, controla o cara tirando o seu chope, para ter a certeza de que não é de balde, na minha opinião, crime inafiançável.
Agora a moça pode me ligar: vou
matar a pau.
*****
*Bar Bico: Avenida Nossa Senhora de Copacabana, 1253B,
esquina de Francisco Sá. De segunda a sábado, das 8 da manhã à meia-noite.
(Texto do livro
“Confesso que bebi,
Memórias de amnésico
alcoólico”, de Jaguar)
Sérgio de Magalhães Gomes
Jaguaribe (Rio de Janeiro RJ, 1932). Caricaturista, ilustrador,
desenhista, jornalista, cronista. Jaguar inicia sua carreira como
cartunista, em 1957, na página de humor da revista Manchete. No ano seguinte, a
convite de Carlos Scliar (1920-2001), passa a colaborar com a revista
Senhor, onde conhece Ivan Lessa e Paulo Francis (1930-1997). Na década de 1960,
trabalha por oito anos no jornal Última Hora. Em 1968, lança Átila,
você é um bárbaro, uma antologia de seus cartuns. Paralelamente ao trabalho de
cartunista, é, durante 17 anos, escriturário do Banco do Brasil, emprego que
abandona em 1971. No banco, conhece Sérgio Porto (1923-1968), também
funcionário e escritor, que sob o pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta, tem
vários de seus títulos ilustrados por Jaguar. É um dos fundadores da
famosa Banda de Ipanema, inaugurada no primeiro carnaval pós-golpe militar
de 1964, e que congregava jornalistas, escritores, cineastas, atores, músicos,
artistas plásticos e cartunistas. Funda em 1969, o semanário carioca O
Pasquim, ao lado de Millôr Fernandes (1923-2012), Tarso de Castro
(1941-1991), Sérgio Cabral (1937), Henfil (1944-1988), Paulo
Francis, Ziraldo (1932), entre outros. Em O Pasquim, cria o
rato Sig, uma alegoria de Sigmund Freud (1856-1939), que se torna símbolo
oficial do jornal, aparece na capa e no começo das matérias, e é o mascote da
publicação. Dentre os personagens criados por Jaguar, além do rato Sig,
destacam-se: Gastão, o vomitador; Boris, o homem tronco e o
cartum Chopnics, publicado inicialmente no Jornal do Brasil. Em 1999,
edita a revista Bundas - satirizando a publicação Caras -, com
Ziraldo e outros remanescentes de O Pasquim. Em 2000, lança o
livro Ipanema - Se Não Me Falha a Memória, pela editora Relume Dumará, e,
no ano seguinte, Confesso que Bebi, Memórias de um Amnésico Alcoólico,
pela Record.
(Da Enciclopédia
Itaú-Cultural)
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