sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Afinal, o que é um botequim?


Texto de Jaguar*


A estagiária de segundo caderno me ligou querendo saber o que, na minha opinião, era um botequim.

− Ora – comecei a responder, e embatuquei. Foi aí que me dei conta: nunca tinha refletido sobre essa questão transcendental. Porra, a gente simplesmente vai a um boteco quando está a fim de tomar uma bebidinha, fazer hora, sei lá. Foi o que eu disse para a moça.

Mas, como toda estagiária de segundo caderno, ela foi implacável:

− Seguinte: tenho que fechar a matéria ainda hoje. Vai pensando no assunto, daqui a pouco ligo de novo.

Então vamos lá, antes que ela cumpra a ameaça. Pra mim, todo lugar onde se bebe é um botequim, seja o Bar Brasil, na Lapa, ou o maior boteco do Rio (pelo menos em tamanho), o Bar do Tom, anexo à Churrascaria Plataforma, no Leblon, ou o minúsculo Bunda de Fora, no Jardim Botânico.
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Um botequim deve ser, de preferência, razoavelmente limpo. Mas não a ponto da gente pensar que está bebendo numa enfermaria. Ninguém morre de infecção contraída em bar. E quantos já morreram de infecção hospitalar?

Nunca me esqueço de uma vez que levei o Nássara para conhecer a filial, num shopping da Barra, do Bar Luiz. Além de genial caricaturista, ele foi também grande boêmio.

A decoração lembrava em tudo o mais antigo bar do Rio. Mas tinha alguma coisa errada.

− Limpo demais – sentenciou –, mas nada que alguns bons bebuns não resolvam.

Outro ponto a ser considerado: bebericar em pé ou sentado? Estou cada vez mais convencido que beber em pé, junto ao balcão, tem várias vantagens, a saber: primeiro, você é servido mais depressa. Depois, fica mais fácil driblar os chatos, se você está numa mesa é presa fácil, eles vão puxando uma cadeira e sentando ao seu lado. E depois você pode escolher o tira-gosto de melhor aparência e fiscalizar se o cara do bar está tirando direito o chope ou fazendo a batida como você pediu, só com meia colherinha de açúcar.

E, é claro, seu santo tem que cruzar com o do garçom. É como um casamento, conheço boêmios que passam mais tempo com o garçom do que com a mulher.

O Bar Bico, em Copacabana, é um bom exemplo desse tipo de botequim.*

Tem tudo que um boteco que se preze deve ter: de ovo cozido a sanduíche de churrasquinho, de caracu com dois ovos, o Viagra dos pobres, ao bate-entope mais barato, pão com ovo. O chope, da Brahma, é bem tirado, na manteiga (com muita pressão), como o cara do balcão comandou. E tem uma vantagem: você, do balcão, controla o cara tirando o seu chope, para ter a certeza de que não é de balde, na minha opinião, crime inafiançável.

Agora a moça pode me ligar: vou matar a pau.

*****

*Bar Bico: Avenida Nossa Senhora de Copacabana, 1253B, esquina de Francisco Sá. De segunda a sábado, das 8 da manhã à meia-noite.
  
(Texto do livro “Confesso que bebi,
Memórias de amnésico alcoólico”, de Jaguar)


Sérgio de Magalhães Gomes Jaguaribe (Rio de Janeiro RJ, 1932). Caricaturista, ilustrador, desenhista, jornalista, cronista. Jaguar inicia sua carreira como cartunista, em 1957, na página de humor da revista Manchete. No ano seguinte, a convite de Carlos Scliar (1920-2001), passa a colaborar com a revista Senhor, onde conhece Ivan Lessa e Paulo Francis (1930-1997). Na década de 1960, trabalha por oito anos no jornal Última Hora. Em 1968, lança Átila, você é um bárbaro, uma antologia de seus cartuns. Paralelamente ao trabalho de cartunista, é, durante 17 anos, escriturário do Banco do Brasil, emprego que abandona em 1971. No banco, conhece Sérgio Porto (1923-1968), também funcionário e escritor, que sob o pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta, tem vários de seus títulos ilustrados por Jaguar. É um dos fundadores da famosa Banda de Ipanema, inaugurada no primeiro carnaval pós-golpe militar de 1964, e que congregava jornalistas, escritores, cineastas, atores, músicos, artistas plásticos e cartunistas. Funda em 1969, o semanário carioca O Pasquim, ao lado de Millôr Fernandes (1923-2012), Tarso de Castro (1941-1991), Sérgio Cabral (1937), Henfil (1944-1988), Paulo Francis, Ziraldo (1932), entre outros. Em O Pasquim, cria o rato Sig, uma alegoria de Sigmund Freud (1856-1939), que se torna símbolo oficial do jornal, aparece na capa e no começo das matérias, e é o mascote da publicação. Dentre os personagens criados por Jaguar, além do rato Sig, destacam-se: Gastão, o vomitador; Boris, o homem tronco e o cartum Chopnics, publicado inicialmente no Jornal do Brasil. Em 1999, edita a revista Bundas - satirizando a publicação Caras -, com Ziraldo e outros remanescentes de O Pasquim. Em 2000, lança o livro Ipanema - Se Não Me Falha a Memória, pela editora Relume Dumará, e, no ano seguinte, Confesso que Bebi, Memórias de um Amnésico Alcoólico, pela Record.

(Da Enciclopédia Itaú-Cultural)

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