quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Maria Chorona

Uma personagem da Porto Alegre antiga...


Maria Chorona

Pergunto a você: a voz de Maria Chorona, que impressão lhe dava?

Lembro bem o pregão que ela soltava lá na esquina da Ladeira. A voz lamentosa, não sei por quê, trazia-me à lembrança noites de inverno já sumidas, quando o vento espichava longos gemidos nos lampiões a gás. E compunha o mais tristonho dueto que já ouvi, com os vendedores noturnos – “Pinhão quente!... Tá quentinho o pinhão!” No sótão da velha casa da Rua da Igreja a gente se encolhia entre as cobertas. O minuano galopava solto pelas ruas.

A voz de Maria Chorona me parecia assim, gemido de lampião, pinhão quente gritando no frio.

Dona do lugar, ela enxotava os pequenos vendedores de jornais que lhe faziam concorrência. O pregão era desolado e sóbrio: “Correio... Diá...” mal a rua amanhecia. Os outros, mais ágeis e imaginosos, infiltravam-se pelos grupos, gritando manchetes que pareciam pingar sangue: “A Fôia!... o retrato da vítima!”. Mesmo assim a Maria tinha clientela particular, que caminhava mais um pouco para buscar na pilha dela o seu jornal. Enrolada em panos, enfrentava o cruzamento frio da esquina, misturando lamentos ao tinir das campainhas lotéricas, ao rumor do povo, ao apito do guarda.

Passa mais uma lufada e também ela é carregada pelo vento.

(Do livro “Rua da Praia, de Nilo Ruschel)


Rua da Praia, Largo dos Medeiros e Rua da Ladeira,
local onde Maria Chorona vendia seus jornais.


Nenhum comentário:

Postar um comentário