sexta-feira, 24 de novembro de 2017

O Palácio da Intendência



Conforme noticiamos, terminou, a 15 do corrente, a mudança da intendência municipal para o belo palácio que acaba de ser construído, expressamente para aquela repartição, à Praça 15 de Novembro.

Visitamo-lo anteontem. Embora poucos momentos nos tenhamos demorado no magnífico edifício, causou-nos tudo quanto vimos a mais agradável impressão; e supomos mesmo que em todo o Estado não há construção que lhe sobreleve em beleza arquitetônica, nobreza e proporções de linhas, disposição de salas e dependências e condições de higiene, de ar e de luz.

Logo ao transpor o formoso peristilo, admira-se o amplo e alteroso átrio pavimentado a mosaico, e cujo plafond repousa sobre colunas dóricas o qual dá acesso ao suntuoso vestíbulo de onde sobe, em dois corpos laterais, a luxuosa escadaria de mármore branco que vai ter ao sobrado, e sobre o qual se projeta a farta claridade de uma ampla claraboia.

Essa parte da construção, aformoseada, ainda, em volta, por galerias com colunas conjugadas de ordem coríntia, é incontestavelmente soberba e tem mesmo uma certa majestade.

Todas as seções em que se subdivide o serviço intendencial, as do conselho, secretaria, contabilidade, tesouraria, impostos, águas e esgotos, etc.; e as do arquivo, inspetoria de veículos, assistência pública, 1º posto policial, etc., acham-se convenientemente instaladas em salas adaptáveis, por completo, já pelas dimensões, já pela sua organização e mobiliário, ao respectivo regular funcionamento.

Releva, entretanto, destacar aqui o salão destinado às sessões do conselho, o que é um primor.

O assoalho, caprichosamente batido, é um bonito mosaico de madeira lustrada; as paredes apresentam lindíssimo aspecto na sua artística pintura decorativa; e completa o esplendor do conjunto o raro gosto dos lavores do estuque, traçado de filetes dourados que põem num suave destaque as cores claras e esmaecidas das tintas, predominando o rosa e o azul: um mimo!

No rez de chaussée fica o xadrez do 1º posto, espaçoso, claro e bem ventilado, dispondo de latrinas que são a última palavra do invento, para ser mantido o mais completo asseio; e nas mesmas condições são as water closet destinadas ao pessoal da repartição e as reservadas para os funcionários superiores, apenas distinguindo-se das primeiras pela maior confortabilidade e melhor aparência, passando os depósitos de todas ao esgoto, depurados pelo processo de reservatório sanitário.

Para o serviço hidráulico e de iluminação a gás e à eletricidade, todo o encanamento e fios condutores são internos, como se usa em todas as construções modernas.

A não ser os lustres e as arandelas que foram mandadas vir da Europa e que simultaneamente se prestam à iluminação elétrica e a do gás carbônico, intensada por bicos Auer, tudo o quanto há na importante construção é produto de nossa florescente indústria local; e, entre outros trabalhos dignos de nota, a porta principal, toda em finos entalhes, uma custosa escada de caracol que comunica o sobrado às dependências superiores e o alteroso portão de grade que abre para a rua das Flores, fazem honra às acreditadas oficinas dos reputados industrialistas Steigleder Sobrinho, E. Berta e Viúva Hugo.

Essa decidida e justíssima preferência à indústria rio-grandense é mais um relevante atestado de muito amor que à nossa terra dedica o ilustre intendente Dr. Montaury de Aguiar Leitão que, em boa hora, resolveu assentar aqui a sua tenda de trabalho.

Enfim, o palácio da intendência municipal de Porto Alegre é digno de uma grande cidade culta, civilizada e progressista.

(Correio do Povo, de 19/5/1901)


José Montaury, nascido na Província do Rio de Janeiro e formado em engenharia civil, fora para o Rio Grande do Sul trabalhar na Comissão de Terras e Estabelecimento de Imigrantes, órgão ligado ao Ministério da Agricultura. Seguidor da doutrina positivista desde seus tempos de estudante, conheceu em Veranópolis, onde era Inspetor da Comissão, o então Presidente do Estado, Júlio de Castilhos, no ano de 1895.

Comungando do mesmo ideal filosófico, Júlio de Castilhos resolve convidá-lo para se candidatar ao cargo de Intendente de Porto Alegre. Eleito em 1896, Montaury só tomou posse no ano seguinte, impossibilitado que estava de afastar-se de suas funções em Veranópolis. Reeleito por seis vezes, permaneceria no cargo até 1924.

Também em 1895, Júlio de Castilhos foi apresentado a outro adepto da escola filosófica de Auguste Comte, o engenheiro João Antonio Luiz Carrara Colfosco, a quem encarregou de projetar o prédio da Intendência.

O local escolhido para erguer o paço foi o aterro da antiga doca do carvão, às margens do rio Guaíba, no centro da cidade, onde se concentrava a vida econômica e social de Porto Alegre. Ficava situado entre a rua 7 de Setembro (para qual ficou voltada a sua fachada principal); a rua das Flores (que começava a se formar e é a atual Siqueira Campos); a do Comércio (atual Uruguai); e o Mercado Público (ainda não fora aberta a avenida Borges de Medeiros). À sua frente, em um espaço não urbanizado, surgiria a Praça Municipal, hoje Praça Montevidéu.


1895, a antiga Doca do Carvão, ao lado do Mercado Público, pouco tempo antes de ser aterrada para que no local fosse construída a Prefeitura de Porto Alegre.


Praça Montevidéu

A partir da construção do paço Municipal, inaugurado em maio de 1901, a área* começou a ser chamada de praça Municipal. Seu nome foi mudado para praça Montevidéu pelo Ato nº132, de 25/9/1916.

A construção e o ajardinamento de uma elipse verde em frente ao paço Municipal foi obra do Intendente Otávio Rocha, em 1927. Posteriormente, ao ensejo do Centenário da Revolução Farroupilha, ali foi implantado a bela fonte de azulejos, proveniente de Talavera, Espanha, que foi oferecido à cidade pela colônia espanhola.


(Sérgio da Costa Franco, “Porto Alegre: Guia Histórico”)


Posto de Pronto Socorro, anexo, no térreo da Prefeitura.

Nichos com bustos de Deodoro da Fonseca e José Bonifácio, além de medalhões com imagens de Júlio de Castilhos e Floriano Peixoto, compõem o frontispício do Paço. Em 1906 foram colocados os leões de mármore que adornam a entrada principal do prédio, criados por Carlos Fossati.

A decoração interna foi executada entre abril e setembro de 1901. A pintura decorativa ficou a cargo de Ferdinand Schlater. No salão de honra foram colocadas tapeçarias, telas e bustos de personalidades da história brasileira. Em 1904, o saguão do pavimento superior ganhou os vitrais executados por Joseph Wollmann, introdutor dessa arte no Rio Grande do Sul. Novidades tecnológicas como o telefone e a iluminação elétrica foram instaladas no Paço.

Alterações internas e externas foram sendo feitas no prédio com o passar do tempo. O pátio interno, de 100 m², desapareceu para dar lugar a novas dependências e o portão de ferro da rua Siqueira Campos foi retirado.

Com a inauguração em 1948 de um novo edifício na rua Siqueira Campos, localizado imediatamente atrás do Paço, várias repartições foram para lá transferidas.

Em 1973, ano do bicentenário da transformação de Porto Alegre em sede da Capitania de São Pedro do Rio Grande do Sul, o prédio da Prefeitura passa a ser chamado de Paço dos Açorianos.

Homenageava-se, assim, os imigrantes que, trazidos pela Coroa portuguesa para povoar o sul do país por volta da metade do século XVIII, fixaram-se na margem esquerda do Guaíba e, segundo Miguel Ângelo Blasco – que por ali passara entre 1754 e 1755 – formaram “um arroio de casas de palha habitadas de casais das ilhas (de Açores)”, embrião da cidade de Porto Alegre.


Os leões de mármore, colocados em 1906.


Prédio da Intendência com pintura nova


À direita, Salão Nobre e, à esquerda, escadaria de mármore branco.


Imagens do subterrâneo da Prefeitura de Porto Alegre








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