Conforme noticiamos, terminou, a 15
do corrente, a mudança da intendência municipal para o belo palácio que acaba
de ser construído, expressamente para aquela repartição, à Praça 15 de
Novembro.
Visitamo-lo anteontem. Embora poucos
momentos nos tenhamos demorado no magnífico edifício, causou-nos tudo quanto
vimos a mais agradável impressão; e supomos mesmo que em todo o Estado não há
construção que lhe sobreleve em beleza arquitetônica, nobreza e proporções de
linhas, disposição de salas e dependências e condições de higiene, de ar e de
luz.
Logo ao transpor o formoso peristilo,
admira-se o amplo e alteroso átrio pavimentado a mosaico, e cujo plafond
repousa sobre colunas dóricas o qual dá acesso ao suntuoso vestíbulo de onde
sobe, em dois corpos laterais, a luxuosa escadaria de mármore branco que vai
ter ao sobrado, e sobre o qual se projeta a farta claridade de uma ampla
claraboia.
Essa parte da construção,
aformoseada, ainda, em volta, por galerias com colunas conjugadas de ordem
coríntia, é incontestavelmente soberba e tem mesmo uma certa majestade.
Todas as seções em que se subdivide o
serviço intendencial, as do conselho, secretaria, contabilidade, tesouraria,
impostos, águas e esgotos, etc.; e as do arquivo, inspetoria de veículos, assistência
pública, 1º posto policial, etc., acham-se convenientemente instaladas em salas
adaptáveis, por completo, já pelas dimensões, já pela sua organização e
mobiliário, ao respectivo regular funcionamento.
Releva, entretanto, destacar aqui o
salão destinado às sessões do conselho, o que é um primor.
O assoalho, caprichosamente batido, é
um bonito mosaico de madeira lustrada; as paredes apresentam lindíssimo aspecto
na sua artística pintura decorativa; e completa o esplendor do conjunto o raro
gosto dos lavores do estuque, traçado de filetes dourados que põem num suave
destaque as cores claras e esmaecidas das tintas, predominando o rosa e o azul:
um mimo!
No rez de chaussée fica o xadrez do 1º posto, espaçoso, claro e bem
ventilado, dispondo de latrinas que são a última palavra do invento, para ser
mantido o mais completo asseio; e nas mesmas condições são as water closet destinadas ao pessoal da
repartição e as reservadas para os funcionários superiores, apenas
distinguindo-se das primeiras pela maior confortabilidade e melhor aparência,
passando os depósitos de todas ao esgoto, depurados pelo processo de
reservatório sanitário.
Para o serviço hidráulico e de
iluminação a gás e à eletricidade, todo o encanamento e fios condutores são
internos, como se usa em todas as construções modernas.
A não ser os lustres e as arandelas
que foram mandadas vir da Europa e que simultaneamente se prestam à iluminação
elétrica e a do gás carbônico, intensada por bicos Auer, tudo o quanto há na
importante construção é produto de nossa florescente indústria local; e, entre
outros trabalhos dignos de nota, a porta principal, toda em finos entalhes, uma
custosa escada de caracol que comunica o sobrado às dependências superiores e o
alteroso portão de grade que abre para a rua das Flores, fazem honra às
acreditadas oficinas dos reputados industrialistas Steigleder Sobrinho, E.
Berta e Viúva Hugo.
Essa decidida e justíssima
preferência à indústria rio-grandense é mais um relevante atestado de muito
amor que à nossa terra dedica o ilustre intendente Dr. Montaury de Aguiar
Leitão que, em boa hora, resolveu assentar aqui a sua tenda de trabalho.
Enfim, o palácio da intendência municipal de
Porto Alegre é digno de uma grande cidade culta, civilizada e progressista.
(Correio do Povo, de
19/5/1901)
José Montaury, nascido na Província
do Rio de Janeiro e formado em engenharia civil, fora para o Rio Grande do Sul
trabalhar na Comissão de Terras e Estabelecimento de Imigrantes, órgão ligado
ao Ministério da Agricultura. Seguidor da doutrina positivista desde seus
tempos de estudante, conheceu em Veranópolis, onde era Inspetor da Comissão, o
então Presidente do Estado, Júlio de Castilhos, no ano de 1895.
Comungando do mesmo ideal filosófico,
Júlio de Castilhos resolve convidá-lo para se candidatar ao cargo de Intendente
de Porto Alegre. Eleito em 1896, Montaury só tomou posse no ano seguinte,
impossibilitado que estava de afastar-se de suas funções em Veranópolis. Reeleito
por seis vezes, permaneceria no cargo até 1924.
Também em 1895, Júlio de Castilhos
foi apresentado a outro adepto da escola filosófica de Auguste Comte, o
engenheiro João Antonio Luiz Carrara Colfosco, a quem encarregou de projetar o
prédio da Intendência.
O local escolhido para erguer o paço
foi o aterro da antiga doca do carvão, às margens do rio Guaíba, no centro da
cidade, onde se concentrava a vida econômica e social de Porto Alegre. Ficava
situado entre a rua 7 de Setembro (para qual ficou voltada a sua fachada
principal); a rua das Flores (que começava a se formar e é a atual Siqueira
Campos); a do Comércio (atual Uruguai); e o Mercado Público (ainda não fora
aberta a avenida Borges de Medeiros). À sua frente, em um espaço não
urbanizado, surgiria a Praça Municipal, hoje Praça Montevidéu.
Praça Montevidéu
A partir da construção do paço
Municipal, inaugurado em maio de 1901, a área* começou a ser chamada de praça
Municipal. Seu nome foi mudado para praça Montevidéu pelo Ato nº132, de
25/9/1916.
A construção e o ajardinamento de uma
elipse verde em frente ao paço Municipal foi obra do Intendente Otávio Rocha,
em 1927. Posteriormente, ao ensejo do Centenário da Revolução Farroupilha, ali
foi implantado a bela fonte de azulejos, proveniente de Talavera, Espanha, que
foi oferecido à cidade pela colônia espanhola.
(Sérgio da Costa
Franco, “Porto Alegre: Guia Histórico”)
Posto de Pronto
Socorro, anexo, no térreo da Prefeitura.
Nichos com bustos de Deodoro da
Fonseca e José Bonifácio, além de medalhões com imagens de Júlio de Castilhos e
Floriano Peixoto, compõem o frontispício do Paço. Em 1906 foram colocados os
leões de mármore que adornam a entrada principal do prédio, criados por Carlos
Fossati.
A decoração interna foi executada
entre abril e setembro de 1901.
A pintura decorativa ficou a cargo de Ferdinand
Schlater. No salão de honra foram colocadas tapeçarias, telas e bustos de
personalidades da história brasileira. Em 1904, o saguão do pavimento superior
ganhou os vitrais executados por Joseph Wollmann, introdutor dessa arte no Rio
Grande do Sul. Novidades tecnológicas como o telefone e a iluminação elétrica
foram instaladas no Paço.
Alterações internas e externas foram
sendo feitas no prédio com o passar do tempo. O pátio interno, de 100 m² , desapareceu para dar
lugar a novas dependências e o portão de ferro da rua Siqueira Campos foi
retirado.
Com a inauguração em 1948 de um novo
edifício na rua Siqueira Campos, localizado imediatamente atrás do Paço, várias
repartições foram para lá transferidas.
Em 1973, ano do bicentenário da
transformação de Porto Alegre em sede da Capitania de São Pedro do Rio Grande
do Sul, o prédio da Prefeitura passa a ser chamado de Paço dos Açorianos.
Homenageava-se, assim, os imigrantes
que, trazidos pela Coroa portuguesa para povoar o sul do país por volta da
metade do século XVIII, fixaram-se na margem esquerda do Guaíba e, segundo
Miguel Ângelo Blasco – que por ali passara entre 1754 e 1755 – formaram “um
arroio de casas de palha habitadas de casais das ilhas (de Açores)”, embrião da
cidade de Porto Alegre.
Os leões de mármore,
colocados em 1906.
Prédio da Intendência
com pintura nova
À direita, Salão
Nobre e, à esquerda, escadaria de mármore branco.
Imagens do subterrâneo
da Prefeitura de Porto Alegre
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