sábado, 18 de novembro de 2017

Portugueses - literalmente racionais



Eu caminhando em Portugal, próximo da fronteira com a Espanha, Caminho de Compostela, perguntei a um sujeito parado em uma porteira de uma fazendola:
− Esta estrada vai para a Espanha?
Respondeu sério e meio contrariado:
− Se vai, não sei, mas se for, vai fazer muita falta...

Meus pais e meus tios estão em Lisboa. Vão ao restaurante almoçar. No final, o garçom pergunta:
− Café?
Meu pai:
− Um, por favor.
Meu tio:
− Dois!
Minha tia:
− Três!
Passam alguns minutos e lá vem o garçom. Com seis cafés.

Querendo me informar mais sobre os acompanhamentos de um dos pratos de um restaurante em Alfama, perguntei ao garçom:
− Mas como vem esse bife aqui?
Ele prontamente me respondeu:
− Alguém o traz da cozinha!

Uma vez fui a um restaurante que servia leitão à bairrada:
− Oi, como é o leitão à bairrada?
− Ora, não sabes o que é um leitão?
− Sim, mas o que é à bairrada?
− A região onde estamos.

Meu padrasto estava em um ônibus em Portugal com a família e viram em um outdoor escrito algo como “Pasteizinhos de Belém, desde 1920” e uma foto dos pasteizinhos.
Ele comentou com a família, brincando:
− Olha, gente! Desde 1920!
No que uma senhora portuguesa interrompeu:
− Me perdoem, mas aqueles já foram comidos, chegando lá vão encontrar outros fresquinhos.

Um cliente estava indeciso sobre o que pedir. Viu um garçom passando com um prato que o agradou e falou para o que o atendia:
− Pode me trazer aquele.
A resposta do garçom:
− Não será possível porque aquele já é do senhor da mesa ao lado.

Minha amiga estava almoçando no mesmo restaurante que Fernando Pessoa frequentava assiduamente.
Como ela é formada em Letras, com mestrado em Literatura, estava mais interessada nas histórias do lugar do que na culinária.
No momento de escolher, chama o garçom e pergunta qual era o prato preferido de Fernando Pessoa. Sem pestanejar, ele responde:
− Já se quebrou há muito tempo!

Estávamos num hotel em Lisboa e descemos para fumar. Decidi ir até a recepção para pedir um táxi. Perguntei à funcionária:
− Por favor, você poderia chamar um táxi pra mim?
A funcionária disse que sim, continuou a fazer o que estava fazendo e não chamou o táxi. Daí eu percebi que estava dentro da piada.
Voltei para fora para rir um pouco com minha amiga e voltei novamente para a recepção, como se nada tivesse acontecido.
Claro que ela poderia chamar um táxi, não havia nada que a impedisse de fazê-lo.
Daí eu falei:
− Eu preciso de um táxi agora.
E ela:
− Pois não, senhoire.

E ligou para o táxi.

Um dia em Lisboa eu parei um sujeito na rua e perguntei: “O senhor sabe como chegar no castelo de São Jorge?” Ele respondeu “sei!” e continuou andando.

Meus tios estavam passeando em Portugal e pediram a um senhor:
− Por favor, pode tirar uma foto?
− Claro!
Foi lá e abraçou a minha tia posando pra foto.

Eu estava saindo do hotel e perguntei a alguém:
− Esse ônibus parado aí passa no aeroporto?
O cara responde:
− Não, passa em frente a ele.

Uma vez eu pedi no balcão de uma confeitaria:
− O senhor me vê dois pasteis de Belém?
O cara foi, olhou e não pegou nada.
Eu perguntei:
− Os meus pastéis de Belém?
E ele:
− Ah, a senhora quer que eu lhe dê dois pasteis? Porque só me pediu que os visse.

Um dia, eu estava no aeroporto em Lisboa e ia pegar uma conexão para Londres. Vi uma fila, perguntei a uma senhora que trabalhava no aeroporto:
− Londres é aqui?
Ela muito simpática, disse:
− Não, aqui é Lisboa, e sorriu.

Fui numa doceria no Porto e perguntei para o garçom:
− Posso pedir aqui no balcão ou pode sentar na mesa?
Ele:
− Prefiro que você sente na cadeira mesmo.

Fui comprar pastéis de Belém no local onde eles são fabricados.
Lugar lotado, balconistas concentrados, atendendo todo mundo super-rápido e com muita seriedade.
Os pastéis de Belém vêm (ou pelo menos vinham) numa caixinha sextavada de papelão.
Eu e minha mãe nos aproximamos do balcão, e ela pergunta a um dos atendentes:
− Os pastéis de Belém são aquela caixinha?
O balconista responde:
− Não, senhora, é o que tem dentro!
Ele continuou os atendimentos supersério e eu e minha mãe caímos na gargalhada.

Num bar no centro histórico de Lisboa, uma brasileira entra e pergunta:
− Posso estacionar aqui na frente?
O balconista responde:
− Claro que pode. Só corre o risco de levar uma multa.

Minha tia estava com uma amiga no restaurante. O garçom criou coragem e indagou:
− Que língua estás a falar que estou entendendo tudo?

*****

Mas qual é a explicação para essas histórias? No post de Alexandre Rosas, Felipe Cortez de Sá escreveu:

Eu tive um professor de Lógica que estudou por um tempo em Portugal e um dia ele disse à turma que português não é burro, e sim 'lógico'. Depois que ele disse isso eu passei a ouvir essas histórias pensando de outro jeito.

No mesmo post, a portuguesa Inês Azevedo levantou duas hipóteses:

Perdoem-me, mas nunca vi nada do gênero em tempo real, parece que só acontece na comunicação entre portugueses e brasileiros.

O erro está em pensarmos que somos a mesma língua quando, na prática, não é bem assim.
Também ponho a hipótese de que muitas vezes possa ser o humor português a atacar, é bem irônico e sutil, quando não se está familiarizado com a cultura não se distingue quando é brincadeira ou não.

Ana Luisa Prado, também portuguesa, ofereceu seu ponto de vista sobre a história dos cafés:

Como portuguesa te digo que considero esta história perfeitamente possível e compreensível. Porque em Portugal não é comum que se faça pedidos dessa forma.

Normalmente cada um diz o que quer, o garçom que faz a soma. E a ele não cabe julgar se alguém quer encher-se de café ou não. Ele vai te dar exatamente o que pedires, mesmo que considere teu pedido um tanto estranho.

É verdade, somos bem mais literais que os brasileiros!


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