sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Matutos e Caipiras

Versos de Xano*


* Filho da Paraíba, jangadeiro de profissão, Xano, ou melhor, Feliciano Gonçalves Simões escreveu boa poesia popular, recolhida, em parte, pelos pesquisadores do nosso folclore. Aqui vai uma amostra da inspiração de Xano:

Houve um barulho dos diabos
Lá na casa do Gonçalo;
A mulher deu no marido,
A galinha deu no galo.
O pinto foi se meter,
Apanhou como um cavalo!

Valha-me Nossa Senhora,
Mãe de Deus, ó Virgem Pia!
Ainda não vi o mar
Mas senti a maresia;
O sol pendeu − é de tarde.
Deu doze horas – é meio-dia;
Cachorro que engole osso
Nalguma coisa se fia...

O casamento civil
É lei da maçonaria...
É pecado muié-dama
Ter o nome de Maria.
E home, até mesmo padre,
Ter o nome de Messia.

A luz do sol gratuite
A todo o mundo alumeia;
Ferro de bronze não quebra
E pau pixe não brandeia.

Doce bom não desonera,
Quem é bom não titubeia,
A água corre no rio,
O sangue corre na veia.

Os olhos dançam na caixa,
Cobertos c′as sobranceia;
O amor, não sendo firme,
Com qualquer coisa vareia.

Não hai moita como a casa
Nem mau patrão como o nobre,
Nem marido como o galo,
Nem devoto como o pobre.
Não hai fruita como a uva,
Nem riqueza como a chuva,
Nem crise como a de cobre...

Eu comprei uma galinha
Por quatro mil e quinhentos,
Depois da galinha morta,
Os pintos piaram dentro.

Boi gordo tem é gordura,
Porco gordo tem toicinho.
Todo cristão tem é cara
E porco tem é focinho.

Caçador anda no mato.
Comboeiro no caminho;
Filho de vaca é bezerro,
Filho de besta é padrinho,
O rico tem inimigo,
O pobre tem mau vizinho.

Quem anda bem amontado
Entende que tudo é perto;
Quem tem dinheiro no bolso
Acha o mundo um céu aberto;
Muita coisa eu posso errar,
Mas a maior parte eu acerto!

Ninguém sabe o que eu vi hoje
Na varge da Paraíba;
Vi uma velha rezando
Com a sola dos pés pra riba.

Água espalhada é lagoa.
Poço fundo é cacimbão.
Eu sou espinho de favela
Quem duvidar bote a mão.

O prometido é devido
Quando chega a ocasião.
Às vezes me faço de besta
Pra poder melhor passá...
Infeliz do cantador
Que armar a mão pra me dá:
Tiro-lhe a carne dos ossos,
Faço manta e boto sá!


(Do Almanaque do Barão de Itararé de 1949)

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