sábado, 16 de dezembro de 2017

O Leão

Dalton Trevisan


A menina conduz-me diante do leão, esquecido por um circo de passagem. Velho e doente, não está preso em grades de ferro. Foi solto no gramado e a tela fina de arame é escarmento ao rei dos animais. Não mais que um caco de leão: pernas reumáticas, a juba emaranhada e sem brilho. Os olhos globulosos fecham-se cansados − sobre o focinho contei nove ou dez moscas, que ele não tinha ânimo de espantar. Das grandes narinas escorriam gotas e pensei, por um momento, que fossem lágrimas.

Observei em volta: todos adultos, sem contar a menina. Apenas para nós o leão conserva o seu antigo prestígio − as crianças ao redor dos macaquinhos. Um dos presentes explica que o bicho tem as pernas entrevadas, a vida inteira na minúscula jaula. Derreado, não pode sustentar-se em pé.

Chega-se um piá e, desafiando com olhar selvagem o leão, atira-lhe um punhado de cascas de amendoim. O rei sopra pelas narinas, ainda é um leão: faz estremecer a grama a seus pés. Simula ignorar a provocação e mastiga com dificuldade, no canto da boca, um pedaço de carne. Um de nós protesta que deviam servir-lhe a carne em pedacinhos.

− Ele não tem dente?

− Tem sim, não vê? Não tem é força de morder.

Continua o moleque a jogar amendoim na cara devastada do leão. Ele nos olha e um brilho de compreensão nos faz baixar a cabeça: é conhecido o travo amargoso de derrota. Está velho, artrítico, não se aguenta das pernas, mas é um leão. De repente, sacudindo a juba, põe-se a mastigar o capim. Ora, leão come verde! Lança-lhe o guri uma pedra: acertou no olho lacrimoso e doeu.

 O leão abriu a bocarra de poucos dentes amarelos, não era um bocejo. Entre caretas de dor elevou-se aos poucos nas pernas tortas. Sem sair do lugar, ficou de pé. Escancarou penosamente os beiços moles e negros, ouviu-se a rouca buzina de fordeco antigo.

Por um instante o rugido manteve suspensos os macaquinhos e fez bater mais depressa o coração da menina. O leão trovejou seis ou setes urros. Exausto, deixou-se cair de lado e fechou os olhos para sempre.

(Do livro O vampiro de Curitiba)


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