sábado, 23 de dezembro de 2017

Você conhece o general Carnaúba?



(Jô Soares relembrando...)

Foi em Petrópolis que conheci pessoalmente o golpista – no sentido de aplicar golpes nas pessoas, e não golpes de Estado, no Brasil é sempre bom esclarecer essas coisas – Edson Monteverde, o baronete de Manchester. Ele costumava se vestir com o figurino tradicional dos banqueiros ingleses: calças cinza listradas, paletó, gravata e colete pretos. Andava com uma pasta de couro na mão e só pagava suas contas com notas promissórias. Impostando a voz, dizia:



− Bom dia, cavalheiro, conhece o general Carnaúba? Eu sou assessor direto do general. Nunca ouviu falar do general Carnaúba? Ele é o encarregado de levantar recursos pra Brasília, ele é o encarregado das obrigações reajustáveis do governo de Brasília, as ações mais valorizadas do país. Se o cavalheiro estiver interessado, posso ver se ainda consigo algumas, elas estão muito disputadas pelos investidores que realmente entendem desse assunto.

(...)

O baronete vendia telefones bem baratinhos, dizia que ia fazer o possível para instalá-los em breve, usaria para isso até um apelo do general Carnaúba, a fila era muito longa, mas ele ia ver se conseguia furá-la especialmente para o cliente. No dia seguinte, chegava na casa do comprador e falava:

− Parabéns, consegui seu telefone rapidamente, o senhor tem sorte!

Levava seu “assistente”, um cavalheiro de macacão que instalava o telefone na parede. E dizia:

− Um momentinho, por favor, que vou ligar pra central para que se complete a instalação. − Tirava o fone do gancho e conversava com ninguém: − Alô, aqui é o Edson Monteverde, baronete de Manchester, só para saber se o telefone já está funcionando. Tá funcionando? Ok, obrigado. − Aí completava: − É o seguinte, o senhor tem que esperar 24 horas pro telefone funcionar pelo Ky0, que é o código da instalação de privilégio. Por isso, só vai me pagar 50% agora. Amanhã, quando o telefone já estiver funcionando, eu passo para receber a outra metade.

O baronete ia embora feliz, o incauto ficava 24 horas feliz, sonhando com seu telefone.

*****

Mas o golpe mais interessante era da parada de bonde, que dava um lucro extraordinário. No Rio, o sinalizador das paradas de bonde era um poste branco. Para um dono de botequim ou de padaria, ter um poste branco em frente ao seu estabelecimento equivalia a ter uma árvore que dá dinheiro: o movimento mais do que triplicava. Edson Monteverde chegava no boteco, escolhia uma boa mesa, chamava o dono esse apresentava:

− Sinta aqui! – Ele gostava de usar essa expressão. – Sou o baronete de Manchester, assessor do general Carnaúba, de Brasília, conhece? E, aqui no Rio, do doutor Galloti, presidente da Light, conhece?

Quer o dono do botequim, geralmente português, conhecesse, quer não, ele partia para o segundo momento do embuste:

− Eu estou encarregado de mapear lugares para novas paradas de bonde, e aqui me parece um bom local. Vai prejudicar vosso negócio?

O dono do botequim, de olho no aumento de vendas de cachaça e do cafezinho com crescimento do fluxo de pessoas que a parada traria, respondia rapidamente:

− Não, não prejudica nada.

− Perfeito, então nós vamos combinar. Claro que há um pequeno custo nisso, não para mim, mas tem o pessoal da Light, que sempre quer um dinheirinho por fora pra liberar os novos pontos de bonde. Eu preciso de um dinheiro pra distribuir pra essa canalha, mas, infelizmente, sem a autorização deles não dá pra colocar o ponto aqui. O ponto não vai custar nada pro senhor, não há nenhum imposto a mais.

Para dar mais credibilidade à sua operação, ele dizia que primeiro iria conseguir a instalação do ponto e só depois passaria para pegar o dinheiro. Durante a noite, seu “assessor de sempre” pintava o poste de branco, os bondes paravam, as pessoas saltavam, outras começavam a esperar o bonde no ponto e o movimento do botequim triplicava. Era a hora exata de o baronete aparecer para cobrar a sua parte. Enquanto isso, na Light, empresa responsável pelos bondes do Rio de Janeiro, havia uma verdadeira caçada ao golpista. Cada veículo que chegava informava da nova parada. O golpe já era conhecido. O fiscal dizia:

− Pronto. É o canalha vendendo a parada do bonde de novo.

E mandava repintar o poste. A alegria do português dono do boteco durava 24 horas.

*****

O baronete de Manchester chega num restaurante, instalava-se a uma mesa e pedia que chamassem o gerente. Quando este aparecia, falava:

− Sinta aqui! Sou o baronete de Manchester, assistente do general Carnaúba, de Brasília, conhece? – Enquanto isso, passava ao gerente seu cartão com o brasão da República.

− Não, não, ainda não conheço.

− Ótimo, o senhor vai ter o privilégio de conhecê-lo hoje à noite. Ele virá jantar aqui com mais seis pessoas e me mandou vir examinar as condições de higiene do restaurante e avaliar o serviço. Vamos lá olhar a cozinha e os banheiros.

O gerente o levava para uma inspeção. Durante a visita, o baronete indagava qual era a especialidade da casa e mandava preparar o prato para ele experimentar e depois contar ao general Carnaúba se o aprovara. Terminava de comer e dizia:

− Muito bem, a comida foi aprovada. Reserve aquela mesa ali do canto para hoje à noite. O general precisa de sossego. Sete pessoas. Ah, antes que eu me esqueça, eu preciso passar em revista os garçons também, para saber se eles estão asseados e limpos. O general Carnaúba faz questão da limpeza das pessoas que o servem.

Aí mandava os garçons se perfilarem, examinava-os, e encerrava a visita dando o segundo golpe:

− Xi... estou sem trocado. Preciso pegar um táxi para esperar o general Carnaúba. Por favor, me empreste uns trocados, pode incluí-los na conta de hoje à noite.

Enquanto o gerente, meio desconfiado, pegava o dinheiro, o baronete de Manchester dizia:

− Não se esqueça, às sete horas, o general gosta de comer bem cedo. Naquela mesa do canto.

Embolsava o dinheiro do táxi e sumia para sempre.

*****

(Texto do livro “O Livro de Jô”, de Jô Soares e Matinas Suzuki Jr.)



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