Antônio Goulart
A foto acima mostra um dos
caminhos percorridos pelo trem até chegar a Vila Conceição (descida para a
Pedra Redonda) nos anos de 1920. Um fosso de granito de 800 metros de
comprimento por 10 metros
de altura foi escavado desde o início da vila até a beira da praia, criando um
grande paredão por onde passava a Maria Fumaça.
Sua duração não foi longa, nem
chegou a 42 anos, de fins de 1899
a 1941. Teve até quatro designações, mas a que prevaleceu
foi a mais popular: Trenzinho da Tristeza. Sua história completa foi contada
por um estudante de Arquitetura, André Huyer, em 2010, numa aprofundada
pesquisa de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano
e Regional da Faculdade de Arquitetura da UFRGS, transformada, em 2015, no
livro A Ferrovia do Riacho – Do Sanitarismo à Modernização de Porto Alegre (Editora
Evangraf).
Apesar de sua curta existência, a
ferrovia deixou marcas explícitas na estrutura física da cidade, na sua própria
história e na memória de muita gente. Decisiva para o crescimento da Zona Sul,
foi cantada em prosa e verso por poetas e cronistas do início do século
passado. Chama a atenção o fato de ter sido construída pelo governo municipal.
O projeto do trem foi concebido especialmente para o transporte de cubos
contendo o esgoto cloacal das residências até a Ponta do Dionísio, mas já no
ano seguinte, em 1900, passou a ser utilizado por passageiros, o que durou até
1936. Teve até quatro locomotivas, importadas da Alemanha, movidas inicialmente
a vapor produzido por lenha, depois por carvão mineral.
No início, seu traçado ia até o
bairro Tristeza. Em 1912, chegou até Pedra Redonda. Em 1926, fez conexão com a
Vila Nova, quando se inaugurou também a estação no centro da cidade, próximo ao
Mercado Público. Antes, a estação ficava junto ao riacho, perto da ponte de
pedra. Em 1927, a
ferrovia foi arrendada durante três anos. Em 1933, foi repassada ao governo do
Estado, sendo administrada pela Viação Férrea do Rio Grande do Sul (VFRGS). Em
1936, devido à concorrência dos ônibus, encerrou o transporte de passageiros,
mas manteve a linha Vila Nova, prolongada até o Matadouro Modelo, onde hoje se
encontra o quartel do Exército, na Serraria. Em 1941, encerrou definitivamente
sua circulação, devido à grande enchente que alagou a cidade. A Ferrovia do
Riacho teve um indiscutível papel social, sem nunca ter dado lucro financeiro.
O Almanaque* encontrou um antigo
usuário do Trenzinho da Tristeza, o engenheiro aposentado Mário Landgraf (91
anos). Ele lembra com saudade do tempo em que o usou regularmente para ir da
Zona Sul ao Colégio Farroupilha, na Rua Alberto Bins. O destino final da última
locomotiva não é nada elogiável. Na década de 1960, esteve em exposição no
Parque Farroupilha, mas acabou tendo seus equipamentos roubados. Passou breve
tempo no Parque Saint′Hilaire, quando a VFRGS a cedeu ao Museu do Carvão, em
Arroio dos Ratos, onde também entrou em processo de degradação. Depois, foi
passada para a prefeitura de Carlos Barbosa, onde não teve melhor sorte. Desde
2008, está totalmente abandonada em um desvio da ferrovia do vinho.
(Do Almanaque Gaúcho
de Zero Hora, janeiro de 2018)
*Almanaque Gaúcho de ZH.
Observação:
Após um processo litigioso com José
Joaquim Assunção dono da área onde se situava a Ponta do Dionísio, a
reconstrução e conclusão da estrada foi efetivada em 1889 e a Intendência
Municipal optou pela Ponta do Melo como local dos despejos a partir de 13 de
novembro daquele ano.
Sérgio da
Costa Franco, em
seu Guia Histórico de Porto Alegre, explica que:
“a postulação do proprietário José
Joaquim Assunção, dono da área da Vila Assunção, inconformado com a implantação
da ferrovia em suas terras, sem indenização. Como decorrência (...) a
reconstrução da Estrada de Ferro do Riacho em 1899 fez-se até a Ponta do Melo,
onde se construiu um trapiche para o despejo das fezes no rio, sendo retirado o
segmento final que ia até a Ponta do Dionísio. Em compensação, implantaram-se 800 metros de trilhos
até o Bairro da Tristeza. Esse último trecho, posto em tráfego desde
14/01/1900, viria a ter um importante significado social, marcando o início da
expansão da Tristeza como local de veraneio e foco de lazeres da população
burguesa de Porto Alegre.
Imagens do Trenzinho da Tristeza
↑
Trajeto dos primeiros
trens com dejetos da cidade
(Traçado de linha vermelha)
↑
O trapiche da Ponta
do Melo*, 1900
↑
Estação do Riacho por Xico Carlos
↑
Estação da Tristeza por Xico Carlos
↑
Estação Ildefonso
Pinto, atrás do antigo Mercado Livre.
(Ambos já demolidos)
(Ambos já demolidos)
↑
Extensão do trem para o bairro Vila Nova, em 1926
↑
Esta fotografia mostra uma parte
do desvio da linha férrea a Tristeza para o Bairro da Vila Nova. Muitas
mercadorias, principalmente a produção de frutas da Vila, foram transportadas
para Porto Alegre pela via férrea.
*Ponta do Melo estava onde hoje
está situado o terreno do antigo Estaleiro Só. Ponta do Dionísio, no início da
praia da Assunção.
↑
Ponta do Melo é o nome consagrado
popularmente àquela área da cidade onde localizava-se o antigo Estaleiro Só,
quase em frente ao prédio da Fundação Iberê Camargo. Advém do fato de, em 1888,
o Sr. Francisco Luiz de Melo requerer à Câmara Municipal a posse daquela área
marinha, fronteira à sua chácara. Após isso, estabeleceu-se uma linha férrea,
lindeira à margem do Guaíba, que por muitos anos transportou passageiros e
cargas entre a região central e a zona sul da cidade.
Tal linha, inicialmente, servia principalmente ao serviço dos
“cubeiros", ou “cabungueiros”. Ocorre que Porto Alegre
tinha serviços de esgoto bastante limitados ou incipientes na virada do século
XIX/XX, de modo que era comum o uso dos “cubos”. Tais cubos (ou
“cabungos”) eram uma espécie de penico, colocado nos banheiros sob a
tábua de assento para servir de receptáculo às necessidades fisiológicas da
população. Fornecidos pela Intendência Municipal, tais cubos, depois de cheios,
eram levados até o trem, e de lá seguiam pela via férrea até a Ponta do Melo,
onde o “material” era descartado diretamente no rio. Os cubos eram
lavados e desinfetados, e faziam o caminho de volta às casas.
Para o despejo semanal dos resíduos dos cubos, foi então construído um trapiche na Ponta do Melo, o qual é muito provavelmente o apresentado na foto. Vale destacar que, antes mesmo da concessão da área ao Sr. Melo, já haviam relatos de uso daquela ponta para o descarte de excrementos, de onde advém a outra alcunha popular do local: “Ponta do Asseio”. Tristemente, é lá até hoje um dos principais pontos de descarte do esgoto cloacal de Porto Alegre.
Entre 1950 e 1999, funcionou
naquela área o Estaleiro Só, que foi uma das maiores empresas do RS. Após a
falência, a área está fechada, e ocorrem no momento diversos estudos para um
aproveitamento do espaço compatível com a preservação do meio ambiente e com a
história da cidade.
Fontes: Sérgio da
Costa Franco, Guia Histórico de Porto Alegre
↑
Ponta do Dionísio, 1900, em foto de Virgílio Calegari
Na chamada “Ponta do Dionísio”,
onde hoje funciona o Clube Veleiros do Sul, havia um trapiche do qual eram
jogados no lago Guaíba os dejetos fecais da população da cidade. Após 1899, os
dejetos passaram a ser jogados na “Ponta do Melo”, onde o extinto Estaleiro Só estava
instalado.
↑
Trem da Tristeza - o que restou
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