terça-feira, 23 de janeiro de 2018

A origem histórica de algumas expressões populares



Madeira-de-Lei

→ Existe sempre algum fato curioso dando origem às expressões de linguagem que usamos no dia-a-dia. A expressão madeira-de-lei, por exemplo, que é hoje sinônimo de madeira resistente e de boa qualidade, passou a ser usada a partir do século XVII, quando o rei D. João IV resolveu baixar um decreto proibindo o corte indiscriminado de árvores no Brasil.

Naquela época, Portugal estava começando a despontar no mundo como uma grande potência naval. E para consolidar essa posição era preciso construir uma grande frota de caravelas, bergantins, galeões e outros tipos de naus capazes de vencer com segurança o desafio dos oceanos.

Mas não havia em Portugal madeiras apropriadas para a construção de navios. Daí a preocupação de D. João IV em preservar a floresta brasileira, rica em madeiras da melhor qualidade.

O decreto real considerava como madeiras protegidas pela lei a sucupira, o jataí-amarelo, a sapucaia, o jacarandá, o pau-brasil e outras espécies. Por estarem protegidas por uma lei especial, essas madeiras passaram a ser chamadas de madeiras-de-lei, e só podiam ser cortadas com autorização expressa de El-Rei D. João IV.


Criados de meia-tigela

→ Artista de meia-tigela. Jogador de meia-tigela. Políticos de meia-tigela. Quantas vezes ouvimos isto como forma de desmerecer o talento ou a dedicação de uma pessoa. Meia-tigela é hoje uma expressão usada para depreciar alguém, de um modo geral injustamente.

Ela teve origem em Portugal, e servia para ridicularizar os empregados menos graduados da Corte. As pessoas que não tinham título de nobreza, mas que prestavam serviços particulares ao rei, eram registradas no chamado Livro da Cozinha de El-Rei.

Além de um pequeno salário, elas tinham direito a um quarto para dormir, ganhavam roupas e boa alimentação. Os inscritos no Livro da Cozinha de El-Rei podiam fazer uma refeição completa todos os dias. Mas enquanto seu nome não fosse ali registrado, o candidato recebia apenas a metade da refeição, que era servida em tigelas.

Valendo-se da sua posição já assegurada na distribuição dos alimentos, os veteranos zombavam dos principiantes chamando-os de criados de meia-tigela.

A partir daí, o uso dessa expressão generalizou-se, passando a identificar quem ainda não conseguiu atingir na vida a realização pessoal ou profissional.


É de tirar o chapéu!

→ Muitas das expressões populares hoje largamente empregadas no Brasil foram trazidas para cá pelos colonizadores portugueses. Mas nem todas essas expressões surgiram em Portugal. Algumas brotaram dos costumes de outros povos europeus e acabaram sendo assimiladas pelos portugueses. E assim chegaram até nós.

A expressão “é de tirar o chapéu!”, por exemplo, surgiu na França, quando o rei Luiz XIV assinou um decreto regulamentando as saudações com o uso do chapéu, que só podia ser tirado em ocasiões especiais. E a moda logo se espalhou pela Europa, chegando a Portugal e dali finalmente ao Brasil.

Vejamos algumas particularidades dessa moda, que muito sucesso fez entre os brasileiros no século XVII. Para um cumprimento cordial, bastava tocar a aba do chapei com aponta dos dedos. Nos cumprimentos mais cerimoniosos, era preciso erguer discretamente o chapéu, sem incliná-lo e sem afastá-lo muito da cabeça. Nos casos que exigissem ainda mais respeito, tirava-se o chapéu, com a cabeça dignamente inclinada. Nos momentos de grande euforia e confraternização entusiasmada, tirava-se o chapéu, descrevia-se com ele uma volta acima da cabeça e varria-se o chão com a sua aba. Isso só acontecia nos casos que eram, realmente, “de tirar o chapéu!”.


Cheio de nove-horas

→ A fim de controlar a ação dos ladrões e desordeiros, o comandante Aragão instituiu no Rio de Janeiro o toque de recolher, assinalado pelas badaladas dos sinos da igreja de São Francisco. E esse bom exemplo logo começou a se espalhar pelo Brasil.

No dia 14 de abril de 1825, Manuel do Nascimento Castro e Silva, presidente da província do Rio Grande do Norte, decretou a organização dos serviços policiais em Natal, seguindo o modelo do Rio de Janeiro. A lei era dura: “Depois de corrida a Caixa das Nove ninguém estará livre se ser parado, revistado e apalpado, sendo presos aqueles que portarem armas ou objetos próprios para o arrombamento de residências.”

A Caixa das Nove era um tambor que um soldado ia batendo pelas ruas, dando o toque de recolher. Qualquer pessoa encontrada na rua depois desse toque tinha que se submeter à revista. Só havia perdão para os que portassem salvo-conduto da autoridade, ou que pudessem comprovar um motivo de força maior. Os policiais eram tão meticulosos nas revistas, que surgiu daí a expressão popular cheio de nove-horas, aplicada às pessoas que se apegam demais ao cumprimento das leis, complicando as coisas simples.


A mãe do bispo

→ No tempo em que o catolicismo era religião oficial no Brasil, os bispos gozavam de grande prestígio, pelo poder que tinham nas mãos. Por isso eram sempre procurados pelos queixosos e necessitados nos momentos difíceis.

A expressão “vá se queixar à mãe do bispo” surgiu no Rio de Janeiro, em 1780, quando Dom José Joaquim Justiniano assumiu o bispado daquela cidade. Ele era filho do tenente-coronel João Mascarenhas Castelo-Branco e Dona Ana Teodora Mascarenhas Castelo-Branco, mulher distinta e muito atilada, que passou a fazer amizade com pessoas importantes quando seu filho assumiu o bispado. Nos dias de hoje, ela poderia ser considerada uma exímia lobista, capaz de promover a aproximação de pessoas certas nas horas certas, harmonizando interesses e encaminhando a solução de problemas.

Sua casa, no Largo da Ajuda, estava sempre de portas abertas para políticos, religiosos, empresários e intelectuais, sendo comuns as trocas de favores entre eles e a dona da casa. Por mais difícil que fosse a situação, a mãe do bispo Dom José sempre dava um jeito. Foi daí que se originou a expressão “vá se queixar à mãe do bispo”, muito usada quando alguém se lamenta dos azares da vida e das injustiças, alegando que não encontra saída para seus problemas.


(Do livro “Novas Crônicas Pitorescas da História do Brasil”,
de Eloy Terra)








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