Madeira-de-Lei
→ Existe sempre algum fato
curioso dando origem às expressões de linguagem que usamos no dia-a-dia. A
expressão madeira-de-lei, por
exemplo, que é hoje sinônimo de madeira resistente e de boa qualidade, passou a
ser usada a partir do século XVII, quando o rei D. João IV resolveu baixar um
decreto proibindo o corte indiscriminado de árvores no Brasil.
Naquela época, Portugal estava começando a
despontar no mundo como uma grande potência naval. E para consolidar essa
posição era preciso construir uma grande frota de caravelas, bergantins,
galeões e outros tipos de naus capazes de vencer com segurança o desafio dos
oceanos.
Mas não havia em Portugal madeiras
apropriadas para a construção de navios. Daí a preocupação de D. João IV em
preservar a floresta brasileira, rica em madeiras da melhor qualidade.
O decreto real considerava como madeiras
protegidas pela lei a sucupira, o jataí-amarelo, a sapucaia, o jacarandá, o
pau-brasil e outras espécies. Por estarem protegidas por uma lei especial,
essas madeiras passaram a ser chamadas de madeiras-de-lei,
e só podiam ser cortadas com autorização expressa de El-Rei D. João IV.
Criados de meia-tigela
→ Artista de meia-tigela. Jogador
de meia-tigela. Políticos de meia-tigela. Quantas vezes ouvimos isto como forma
de desmerecer o talento ou a dedicação de uma pessoa. Meia-tigela é hoje uma
expressão usada para depreciar alguém, de um modo geral injustamente.
Ela teve origem em Portugal, e servia para
ridicularizar os empregados menos graduados da Corte. As pessoas que não tinham
título de nobreza, mas que prestavam serviços particulares ao rei, eram
registradas no chamado Livro da Cozinha
de El-Rei.
Além de um pequeno salário, elas tinham
direito a um quarto para dormir, ganhavam roupas e boa alimentação. Os
inscritos no Livro da Cozinha de El-Rei
podiam fazer uma refeição completa todos os dias. Mas enquanto seu nome não
fosse ali registrado, o candidato recebia apenas a metade da refeição, que era
servida em tigelas.
Valendo-se da sua posição já assegurada na
distribuição dos alimentos, os veteranos zombavam dos principiantes chamando-os
de criados de meia-tigela.
A partir daí, o uso dessa expressão generalizou-se,
passando a identificar quem ainda não conseguiu atingir na vida a realização
pessoal ou profissional.
É de tirar o chapéu!
→ Muitas das expressões populares
hoje largamente empregadas no Brasil foram trazidas para cá pelos colonizadores
portugueses. Mas nem todas essas expressões surgiram em Portugal. Algumas
brotaram dos costumes de outros povos europeus e acabaram sendo assimiladas
pelos portugueses. E assim chegaram até nós.
A expressão “é de tirar o chapéu!”, por exemplo, surgiu na França, quando o rei
Luiz XIV assinou um decreto regulamentando as saudações com o uso do chapéu,
que só podia ser tirado em ocasiões especiais. E a moda logo se espalhou pela
Europa, chegando a Portugal e dali finalmente ao Brasil.
Vejamos algumas particularidades dessa
moda, que muito sucesso fez entre os brasileiros no século XVII. Para um
cumprimento cordial, bastava tocar a aba do chapei com aponta dos dedos. Nos
cumprimentos mais cerimoniosos, era preciso erguer discretamente o chapéu, sem
incliná-lo e sem afastá-lo muito da cabeça. Nos casos que exigissem ainda mais
respeito, tirava-se o chapéu, com a cabeça dignamente inclinada. Nos momentos
de grande euforia e confraternização entusiasmada, tirava-se o chapéu,
descrevia-se com ele uma volta acima da cabeça e varria-se o chão com a sua
aba. Isso só acontecia nos casos que eram, realmente, “de tirar o chapéu!”.
Cheio de nove-horas
→ A fim de controlar a ação dos
ladrões e desordeiros, o comandante Aragão instituiu no Rio de Janeiro o toque
de recolher, assinalado pelas badaladas dos sinos da igreja de São Francisco. E
esse bom exemplo logo começou a se espalhar pelo Brasil.
No dia 14 de abril de 1825, Manuel do Nascimento
Castro e Silva, presidente da província do Rio Grande do Norte, decretou a
organização dos serviços policiais em Natal, seguindo o modelo do Rio de
Janeiro. A lei era dura: “Depois de
corrida a Caixa das Nove ninguém estará livre se ser parado, revistado e
apalpado, sendo presos aqueles que portarem armas ou objetos próprios para o
arrombamento de residências.”
A Caixa
das Nove era um tambor que um soldado ia batendo pelas ruas, dando o toque
de recolher. Qualquer pessoa encontrada na rua depois desse toque tinha que se
submeter à revista. Só havia perdão para os que portassem salvo-conduto da
autoridade, ou que pudessem comprovar um motivo de força maior. Os policiais
eram tão meticulosos nas revistas, que surgiu daí a expressão popular cheio de nove-horas, aplicada às pessoas
que se apegam demais ao cumprimento das leis, complicando as coisas simples.
A mãe do bispo
→ No tempo em que o catolicismo
era religião oficial no Brasil, os bispos gozavam de grande prestígio, pelo
poder que tinham nas mãos. Por isso eram sempre procurados pelos queixosos e
necessitados nos momentos difíceis.
A expressão “vá se queixar à mãe do bispo” surgiu no Rio de Janeiro, em 1780,
quando Dom José Joaquim Justiniano assumiu o bispado daquela cidade. Ele era
filho do tenente-coronel João Mascarenhas Castelo-Branco e Dona Ana Teodora
Mascarenhas Castelo-Branco, mulher distinta e muito atilada, que passou a fazer
amizade com pessoas importantes quando seu filho assumiu o bispado. Nos dias de
hoje, ela poderia ser considerada uma exímia lobista, capaz de promover a
aproximação de pessoas certas nas horas certas, harmonizando interesses e encaminhando
a solução de problemas.
Sua casa, no Largo da Ajuda, estava sempre
de portas abertas para políticos, religiosos, empresários e intelectuais, sendo
comuns as trocas de favores entre eles e a dona da casa. Por mais difícil que
fosse a situação, a mãe do bispo Dom José sempre dava um jeito. Foi daí que se
originou a expressão “vá se queixar à mãe
do bispo”, muito usada quando alguém se lamenta dos azares da vida e das
injustiças, alegando que não encontra saída para seus problemas.
(Do livro “Novas
Crônicas Pitorescas da História do Brasil”,
de Eloy Terra)
de Eloy Terra)
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