terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Histórias de Paraquedistas XXVI

O primeiro índio paraquedista militar do Brasil


Em 1962, também voluntário, apresentou-se para servir como paraquedista do Exército, o nosso primeiro índio brasileiro.

Era um índio da tribo dos Kalapalos, filho da índia Malka, nascido às margens da majestosa Lagoa do Ipavu, cabeceiras do Iguapé Tutuauri, bem lá no alto Xingu, onde o intrépido sertanista Orlando Villas-Boas, por muitos anos, deu prosseguimento aos ideais do memorável General Cândido Mariano da Silva Rondon.

Muito Orlando Villas-Boas ensinou, para nós, paraquedistas das Forças Armadas, e, em particular, aos pioneiros do Curso de Operações Especiais, cujo diretor e aluno, foi o então Major paraquedista Gilberto Antônio Azevedo e Silva, do então Núcleo da Divisão Aeroterrestre. Ensinou-nos, desde os idos de 1957, de como conviver e entender o índio.

O índio participou de vários cursos básicos sem, contudo, lograr êxito. Sua última oportunidade foi-lhe dada ao ser matriculado no Curso Básico 1962/13*, o derradeiro do ano.

O comandante da época** insistia: “Este índio ter que ser aprovado! Quero brevetar o primeiro índio paraquedista do Exército, com uma grande formatura e com a presença da imprensa”.

Mas o índio, com a sua mentalidade quinhentista, apesar de mostrar bom vigor físico, muita disposição e coragem, não conseguia assimilar as instruções técnicas. Não conseguia entender por que ele, ao desprender-se da plataforma de aterragem, teria que tocar o solo, primeiro, com as pontas dos pés unidos, ao invés de tocá-lo com as mãos e os pés abertos, como faz a onça que, ao saltar de uma árvore, cai com as quatros patas bem abertas.

Não aceitava saltar da torre, grupado na posição de “jeb”. Sempre ao sair da torre, agitava os braços, em forma de asas, para, em seguida, segurar nos tirantes. Esses procedimentos lhe davam a certeza de estar firme e de que não se espatifaria no chão. Assim, ele sempre viu os pássaros voarem e os macacos saltarem de galho em galho.

Esses erros e defeitos cometidos pelo índio não foram tolerado pelos monitores. Aquela era a mentalidade do índio, a sua lógica de aculturado. Nós, desconhecedores das informações milenarmente arraigadas em seu subconsciente, não compreendíamos seus procedimentos.

Não podíamos, em três semanas de curso, contradizer a maneira dos pássaros voarem e dos animais saltarem e assim convencer o nosso indômito índio.

Seus gestos e atitudes, nas aterragens ou saltos da torre, tinham lógica, eram corretos e os mais apropriados para se defender, pensava o índio.

Os monitores não entendiam seu procedimento e o índio não saía paraquedista. Esse choque de culturas divorciava os monitores do índio. Era difícil fazer prevalecer a técnica dos caras-pálidas sobre as milenares lições que a flora e os animais da selva lhe ensinaram.

Os monitores mantiveram a fidelidade aos padrões de segurança impostos pelas normas, não permitindo a formação de uma paraquedista fora do padrão exigido. Mas o índio era forte, decidido, persistente e queria ser paraquedista; aguentou firme vários cursos. Era sempre desligado, no final da terceira semana, por ocasião da apuração técnica.

O comandante queria, porque queria ter o orgulho de brevetar aquele índio. O impasse estava criado!

Foi, então, que o diretor desse último* curso, Capitão Lourival de Souza Moreira, convidou-me para participar do Curso 1962/13. Esse curso era a última oportunidade para o índio e o comandante. Fui desafiado para fazer do índio um paraquedista militar.

Aceitei o desafio. Era a chance de que dispunha para aplicar, na prática, os conhecimentos adquiridos com Orlando Villas-Boas, no Alto Xingu, nas várias vezes que por lá passei, bebendo dos seus sensatos ensinamentos sobre nossos admiráveis irmãos índios...

Solicitei ao Capitão Moreira, que o índio fosse colocado em forma, no curso, dentro de sua altura, mas na fileira externa e que ninguém lhe desse ordenas. Somente eu poderia ministrar-lhe instruções e “castigos”, até serem liberados por mim.

Acreditava, pelo que havia aprendido nos meus estágios no Xingu, que o índio não precisava de um curso especial, como foi feito para o nosso comandante, devido a idade. Carecia era ser tratado, no início, de modo diferente. Não se tratava de concessões, mas de compreensão e habilidade, durante as instruções e, principalmente, durante a instrução técnica. Isso não era impossível; difícil seria descobrir a maneira de convencer o índio das vantagens que a nossa técnica levava sobre e seu empirismo.

Assumi, comigo mesmo, o compromisso de dar a esse índio toda a minha dedicação, paciência, principalmente, nas instruções de plataforma de aterragem, balanço, falso avião e torre de salto, que compunham a parte técnica.

O índio brasileiro já dera muito de si à Pátria. Agora, era meu dever, como cidadão e soldado, dar-lhe todo meu conhecimento de profissional.

Na segunda semana, quando já estávamos bem identificados, um com o outro, perguntei-lhe qual era o seu nome na tribo. Foi aí, que ele me revelou:
− Sarico.
− Que quer dizer Sarico, perguntei-lhe.
− Passarinho, Sargento.

Então nos ligamos pelo resto do curso; sem dúvida éramos todos pássaros! Na primeira desatenção do índio com a instrução, eu gritei:
− Sarico, dez flexões!

Sarico levou um susto, mas com um enorme sorriso de satisfação a cobrir-lhe o semblante, ao ouvir o seu nome tribal, pagou o “castigo” com tamanho entusiasmo, que despertou a atenção dos demais monitores do Curso.

Era o “chamado selvagem” mais forte do que ele... Grito telúrico que o despertou, como num passe de mágica.

Daí para a frente, Sarico deslanchou nas instruções técnicas. Foi liberado, por mim, para que todos os monitores aplicassem os “castigos” e as correções que se fizessem necessárias para o seu aprendizado. E assim fizeram.

No último dia da terceira semana, Sarico recebeu conceito MB (muito bom) no salto da torre e foi o melhor de todos os alunos do seu curso, na competição de aterragem da plataforma de 1,20m de altura, promovida pelo competente e consciente Diretor do 1962/13 IBAet., Capitão Lourival de Souza Moreira, hoje Coronel na reserva.

Sarico, nosso índio, executou os cinco saltos de uma aeronave em voo, qualificando-se paraquedista militar de Nº 9789, em 6 de agosto de 1962. O comandante, para sua satisfação e orgulho de todos nós, colocou no peito de Tadeu Sarico da Cunha, o Sarico, o Brevê de Prata dos Paraquedistas Militares do Brasil.

Tadeu “Sarico” da Cunha, chefe de família, casado, pais de filhas e avô, residindo na cidade do Rio de Janeiro, como um autêntico carioca.

“Passarinho do Alto Xingu” que, alçando voo daquelas imponentes florestas, fez pouso na sagrada “ZL”, da Área de Estágios do Centro de Instrução Paraquedista General Penha Brasil, da Brigada de Infantaria Paraquedista, para receber com galhardia e mérito o grau de:

Primeiro Índio Paraquedista Militar do Brasil!

Se formamos o Sarico, levados por um pouco de sensacionalismo, assim também o fizemos, muito mais, tangidos pelo reconhecimento que temos quanto ao engajamento do índio nas lutas travadas pelas Forças Armadas – as quais pertencemos com muito orgulho – que até hoje são intransigentes defensoras da soberania nacional

Texto do livro “Ser Pára-quedista
50 anos de pára-quedismo militar no Brasil”,
do Capitão Ly Adorno de Carvalho, Pqdt 503.

(Acima, foi mantida a grafia da época do lançamento do livro)


Ly Adorno de Carvalho: Pqdt, MS, Prec, FE e Comando

*  Houve, em 1962, ainda o Turno 1962/14.
**General de Brigada Sylvio Américo Santa Rosa: período do comando:  (27.03.1962 a 02.05.1963)



7 comentários:

  1. Boa tarde, tudo bem? Por acaso vocês tem mais informações sobre o paradeiro do Tadeu Sarico da Cunha e/ou sua família? Estou fazendo uma pesquisa sobre o assunto. Muito obrigada!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá, eu estou a procura desse senhor, sou parte da família dele, meu pai é sobrinho dele e o meu pai quer saber por onde anda o tio dele...Se puder nos ajudar a encontra-lo agradecemos 🙏

      Excluir
  2. Quem teve contato com ele, pois foi seu instrutor, foi o inesquecível Cap. Ly Adorno de Carvalho, infelizmente já falecido. tente o cap Domingos Gonçalves, no QG da Brigada de Infantaria Paraquedista.

    ResponderExcluir
  3. Tadeu sarico da cunha, foi Aux. de portaria no antigo instituto do Bancário (Av. Nilo Peçanha,31 - centro do Rio. Após baixa do serviço militar, retornou para o INPS. Hoje previdência Foi meu colega de trabalho no IAPB.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. O senhor tem o contato dele? Meu pai seu sobrinho está a procura dele

      Excluir
  4. Olá eu faço parte da família deste senhor, pois o meu pai é sobrinho dele, quem puder nos informar sobre o paradeiro dele nós agradecemos de coração, pois o meu pai está a procura dele.
    Quem souber dele favor nos informar pelo WhatsApp 66984463712

    ResponderExcluir
  5. Tadeu Sarico da Cunha, foi Auxiliar. de Portaria no antigo instituto do Bancário (Av. Nilo Peçanha,31 - centro do Rio. Após baixa do serviço militar, retornou para o INPS, hoje previdência. Trabalho no IAPB. Entre em contato com um desses órgãos e tente saber o seu antigo endereço.

    ResponderExcluir