domingo, 21 de janeiro de 2018

Não somos nada!

Millôr Fernandes


Escovou os dentes com Dentifrício Molgado, uma sensação extra de frescor, aquele que faz seu sorriso mais belo e evita a cárie e outras afecções dentárias. (À base de fluorina e clorofila).

Fez a barba com creme Vital, que amacia a pele e torna a barba um prazer. Usou para escanhoar-se a lâmina Babette (importada), uma verdadeira carícia para o rosto. Ao terminar, passou na cara Água Nelma, refrescante, perfumada e adstringente. Tomou banho com sabonete Sissy, que é mais que um simples sabonete, é quase um convite à efeminação, um odor que deixa saudade. Usou no corpo Talco Floss, que torna a pele suave como a de um bebê. Pôs no cabelo Loção Vital, que dá um brilho novo à sua cabeleira, tirando-lhe aquele ar desmazelado, que tanto desagrada às mulheres.

Aspergiu nas axilas algumas gotas de Maguy, o desodorante que tem a fragrância das rosas de maio.

Pingou na vista Colírio Santol e, em pouco, seus olhos estavam claros e transparentes, prontos a ver o mundo com outro aspecto.

Vestiu um terno de casimira Marroquim, a mais leve, a mais elegante, de durabilidade sem par.

Depois de completamente vestido pingou na lapela duas gotas de Mustafá, o perfume do passado para o homem do futuro.

Foi saindo e colocando no pulso seu relógio inoxidável, de duração eterna.

Ao atravessar a rua foi morto por um ônibus elétrico.

Desilusão total

Tragédia em um ato. Personagens:
solteirona (é claro) rica e ladrão (naturalmente) pobre.

Ato único

Ladrão: (Entrado pela janela, surpreendendo a solteirona).

− Não se assuste! Não lhe farei nada! Quero apenas o seu dinheiro.

Solteirona: (Soluçando):

− Ah, você é como todos os outros!

(Pano rápido)

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