Uma crônica de 1997
Condenado em pleno tropicalismo, em
agosto de 1967, a
351 anos, 9 meses e 3 dias (por que esses 3 dias?) a prisão, Acácio Pereira da
Costa, o Bandido da Luz Vermelha, aos 54 anos de idade, vai deixar a prisão
hoje, sábado, depois de cumprir exatos 30 anos no Carandiru.
Mas este Acácio, que rendeu um
belíssimo filme ao Rogério Sganzerla no final dos 60, não é o verdadeiro
Bandido da Luz Vermelha. Este é cópia de um outro, o verdadeiro, um americano.
Na época se dizia que o que era bom para os Estados Unidos era bom também para
o Brasil. Tempos da ditadura militar americanizada.
Eu explico.
No final dos anos cinquenta, surgiu,
nos Estados Unidos, um sujeito chamado Caryl Chesmann, jovem, bonito, charmoso,
que aprontava barbaridades, sempre usando uma lanterna vermelha em seus
assaltos, estupros e assassinatos. Logo a imprensa americana, escandalizada,
lhe deu a alcunha de O Bandido da Luz Vermelha.
Depois de uma grande caça, foi preso,
julgado e condenado à cadeira elétrica. Na prisão, dispensou advogado e estudou
Direito passando ele mesmo a se defender nos tribunais. Os americanos e o mundo
acharam aquilo o máximo. Ele sempre conseguia adiar a pena de morte. E cada vez
mais o mundo inteiro seguia seus julgamentos como uma espécie de OJ Simpson
branco.
E mais fez o Caryl. Começou a
escrever livros, contando a sua infância podre, seus crimes, suas amantes. O
Corredor da Morte foi o que fez mais sucesso. Na época vendia mais que o Paulo
Coelho hoje. Aqueles livros cariam como uma luva para os produtores de
Hollywood. Seus filmes corriam o mundo. Tornara-se um ídolo americano e de
todos nós adolescentes da época, que o confundíamos com o James Dean. A
juventude transviada estava no auge e precisava de seus heróis.
Em 1961, depois de adiar
estupidamente várias vezes sua morte, finalmente caminhou pelo corredor da
morte em San Quentin
e, apesar de milhões de cartas do mundo todo, foi executado. Dizem que até João
XXIII pediu clemência.
Morto aquele, surgiu o nosso Acácio.
Mesmo jeitão, boa pinta (loiro), 24 anos. Diz a lenda que as mulheres por ele
estupradas pediam a sua volta.
O Brasil era uma efervescência
cultural na época. O tropicalismo no auge, Zé Celso no seu auge, Glauber
ditando regras, Flávio Cavalcanti quebrando discos. Com tanto louco na praça, o
Acácio foi bem-vindo. Todo mundo torcia para que o Bandido da Luz Vermelha não
fosse capturado. Mas foi.
Em 1993, fiz uma visita ao Carandiru
para obter material para a minha minissérie James Lins, o Playboy que não deu
certo, junto com o jornalista Renato Lombardi. Ele me aponta um sujeito
desdentado, dizendo palavras da Bíblia.
- Olha
lá o Bandido da Luz Vermelha!
Levei um choque cultural. Ainda tinha
na minha cabeça o Luz (como é chamado na prisão) dos anos 60. Dizem que pirou e
não queria sair da prisão, pois não saberia mais viver aqui fora.
Pois é, no momento que você está
lendo esta crônica, o homem já está na rua. Ponha-se no lugar dele. Fique 30
anos trancado numa penitenciária (sem nunca sair) depois saia e encare São
Paulo. E o Brasil.
Imagine o choque, o susto. Nenhum
Gordini na rua, o Comodoro fechado, aqueles prédios todos lindos da Paulista,
milhares de crianças pedindo esmola. Será que ele vai entender o escândalo dos
frangos da dona Sylvia? E o Cláudio, Luizinho, Baltazar, Rafael e Simão? Não
jogam mais? O Jânio já morreu? Lula? Pelé ministro? Não tem mais gonorreia?
Beatles? E o Austregésilo, ainda vive? Hambúrguer? Fecharam a Salada Paulista?
Minhocão?
Vai ser difícil para o nosso Bandido
da Luz Vermelha se acostumar e entrar na Internet com seus 54 anos.
Sei não, acho que ele vai voltar a
usar a sua velha lanterna vermelha de novo, cometer alguma coisa braba para
voltar para a sua casa lá no Carandiru.
Para ele,
com certeza, tem mais vida lá dentro do que aqui fora.
Te cuida,
Luz.
Texto de Mário Prata,
de 1997
(O bandido da luz
vermelha foi assassinado em 5 de janeiro de 1998.)
A morte do Bandido da Luz Vermelha
A morte de “Luz Vermelha” foi
noticiada pelo jornal Notícias Populares em 7 de janeiro de 1998, menos de
cinco meses após sua liberdade. Ele foi morto com um tiro na cabeça, disparado
pelo pescador Nelson Pizengher, de 46 anos, que confessou o crime. Segundo Pizengher,
o disparo foi efetuado para salvar a vida do irmão Lírio Pizengher, que fora
agarrado pelo “Luz Vermelha” e ameaçado com uma faca após um desentendimento
por causa de supostos assédios cometidos por Acácio contra a mãe e a esposa do
pescador.
João Acácio morava de favor havia
dois meses na casa de Nelson. O “NP” apurou ainda que o diretor do Hospital Regional
de Joinville, na época, teria assinado um atestado de insanidade do
ex-presidiário, dais antes dele ser assassinado pelo pescador. Segundo apuração
do “NP”, “Luz Vermelha” seria internado em um hospital de Florianópolis em
poucos dias.
Dentro e fora das grades, aos 55 anos
de vida João Acácio Pereira da Costa se resumiram em 55 anos de tragédia.
(Folha de S. Paulo)
*Em novembro de 2004, Nelson
Pizengher foi absolvido pela justiça de
Joinville, que, apesar de crime qualificado, sustentou que o ato do pescador foi
de legítima defesa.
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