segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Carneirinho, o perfeccionista


Carneirinho, médico (São Paulo, 1994)


O carneirinho era loirinho, cabelo encaracolado. Daí, o apelido. Quando éramos jovens, ele era o mais bonito, o mais simpático, o mais bem vestido. Namorava todas as meninas da cidade. Todas as meninas adoravam o Carneirinho. Mas ele nunca se casou.

Depois, formou-se em medicina, veio para São Paulo, montou uma clínica maravilhosa. E continuou a conquistar todas as mulheres.

Via pouco, o velho amigo. Mas, cada vez, ele estava com uma mulher diferente. Maravilhosas. Aviões, como ele gostava de dizer. Mas nunca se casou, embora eu tenha ficado sabendo de dois ou três esparsos noivados nos últimos 30 anos.

Na semana passada, encontrei-me com ele na Mercearia São Pedro. Continua um tipo bonito, mas cachinhos loiros já não há mais. O pouco que lhe restou já está branco. Mas continua o mesmo: bonito, elegante, rico e, como sempre, muito bem acompanhado.

Começamos a beber e o Carneirinho, que sempre foi fraco com o álcool, desandou a me explicar por que não ficava muito tempo com a mesma mulher, por melhores que fossem.

− Acho que eu fico procurando a mulher perfeita. Sei que não tem, mais insisto. Em cada uma, depois de um tempo, eu começo a encontrar defeitos. Defeitos físicos, pequenas, mas que, com o passar do tempo, aquilo vai crescendo na minha cabeça. Por exemplo, lembra da Lurdica? Tinha joanete. Aquele joanete foi crescendo na minha cabeça. Um dia cheguei à conclusão que não podia conviver mais com um joanete.

− E a Celinha?

− Falava menas. Eis a questã.

− A Glória?

− Como é que eu podia continuar beijando aquele avião, com aquele canino superior direito? Saltado. Ninguém observava, mas eu sabia. A Bia tinha muito pelo no braço, lembra? Parecia o bigode da Cidoca. Lembra da Paulinha? Tinha um dos bicos do seio para dentro. A Lilu você devia saber do mau hálito dela. Vinha lá do estômago, do útero, sei lá.

− E a Candinha?

− Roía unha. Até do pé. A Selminha tinha a testa muito avançada, lembrava a minha mãe. Lembra da Rose? Quando ria, dava murrinhos na mesa: não podia conviver com aquilo.

− E a Joana: Você ficou noivo da Joana também.

− A Joaninha era legal, mas tinha orelhas enormes. Nunca reparou? Eu tinha a impressão que cada dia estavam maiores. A Maria C. não tinha orgasmo. Fiz de tudo. A Julinha, quando tinha orgasmo, virava os olhos para cima: parecia que estava tendo um ataque epilético.

− E a Carmen Lúcia? Aquela não tinha nenhum defeito.

− Como não? Não sabia quem era a Sarita Montiel e muito menos o Hemingway. E O Velho e Mar, ela achava que era o avô dela. A Carlota também, nunca tinha lido um livro. Aliás, tinha lido o Caminho Suave.

− Mas todo mundo achava que você ia se casar com a Ledinha.

− Era linda, mas o cabelo meio pixaim. Meus pais não iriam gostar. A Leia, por exemplo, tinha dois dedos do pé meio grudados. Morria de vergonha dela, na praia. A Gegê tinha lábio inferior meio viradinho, lembra? Boca pequena. E por falar em boca, a Lucinha beijava de boca fechada, pode? Ao contrário da Dequinha que mordia a minha língua toda vez.

− E aquela fazendeira de Ribeirão Preto?

− Marina? Peito caído. Já a Ciça tinha o joelho caído. Já viu mulher de joelho caído? A Marcinha era perfeita, mas a mãe dela rezava terço todo o dia. E ela morava com a mãe. Parecia a casa do Nelson Rodrigues.

− E aquela francesa que eu te vi uma vez na...

− Michele. Você não viu os pés dela, né? Então não fala nada. Fora isso, tinha aquele narizinho arrebitado, lembra?, de onde saíam chumaços de pelos. E não era muito chegada a uma Sabesp. Toda mulher tem seu defeito, meu amigo. Mais um dia, menos dia, você tem que enfrentar o inimigo. A Letícia não falava inglês. Levei ela para a Europa e passei vergonha.

− Então você nunca vai achar uma mulher perfeita, Carneirinho.

Um dia eu acho, um dia eu acho.

Ia me esquecendo de dizer que neste encontro com ele na Mercearia, ele estava com um garoto, com pouco mais de 20 anos, loiro, cabelos encaracolados, elegante, educado e tatuado, que ele me apresentou como “primo”.

Sei não, Carneirinho, sei não.

*****

(Do livro “Minhas Mulheres e Meus Homens”, de Mário Prata)


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