O Dia da Pátria nas trincheiras
Buscando destruir-se, os exércitos
alinhados na vale do Paraíba morriam e matavam em nome do amor pelo Brasil.
Chegou o 7 de setembro. Paulo Duarte recolheu em Palmares pelo avesso o sucedido.
“Às 7 horas de uma fulva manhã,
estava todo o QG nos esporões do morro do Canhão. A bandeira foi hasteada no
centro e no ponto mais alto das linhas. Um pelotão de combatentes (paulistas) subiu em cima
das trincheiras, na posição mais exposta ao fogo inimigo (gaúchos). Ao lado, formaram, em
continência, todos os oficiais do comando (...).
O inimigo emudeceu como uma onça
magnetizada por um foco de luz. Depois atônito, impulsionado por uma ordem
irresistível, se pôs também de pé, no alto de suas posições, ao longe.
Enquanto isso, a bandeira subia e os
clarins cantavam.
Os seis quilômetros que podíamos ver
de nossas linhas alcançaram-se nas cristas a uma ordem geral que ninguém deu,
mas todos ouviram e obedeceram. As trincheiras ficaram de pé, ao sol!
E a Mantiqueira viu dois exércitos
adversários interromperem a batalha a prestar continência à mesma bandeira que
só um deles desfraldou.
O pavilhão chegou ao alto do mastro,
tremulando. Os clarins pararam.
O capitão Saldanha deu a
voz de descansar armas. Mas o inimigo, voltado a si, quis comemorar a liberdade
a seu modo.
Uma rajada grunhiu ao longe e
assoviou sobre o nosso grupo, ainda no alto das trincheiras”.
A passageira clandestina
Quando o exército paulista viu que a
revolução estava perdida, os oficiais superiores, políticos e alguns
intelectuais resolveram se exilar. Foram todos, principalmente, para Portugal.
E entre eles um poeta: Guilherme de Almeida. Durante a travessia, com data de 5
de novembro, escreveu em seu diário de bordo:
“Não há mulheres a bordo? Há. Viaja
conosco uma passageira clandestina, de volta a Portugal, seu país de origem.
Vive toda e sempre escondida. Nem a
oficialidade, nem o pessoal de bordo, nem os agentes de polícia que nos espiam,
nem a escolta que nos... que nos inveja – ninguém, ninguém notou ainda a sua
presença entre nós, na prisão flutuante.
E, no entanto, ela está por toda a
parte. E ela divide, a clandestina, por todos nós, o seu carinho santo, com
piedade generosa de uma irmã de caridade. Vai de cabine em cabine, de mesa em
mesa, de pensamento em
pensamento. Senta-se no beliche, maternalmente, à cabeceira
daquele que a insônia atormenta, e repete o gesto antigo que cobriu, como uma
asa, o nosso berço; apóia-se, como uma cruz suavíssima, ao ombro daquele que,
sentado num rolo de cordas da popa, finge olhar o crepúsculo exangue;
debruça-se sobre o que escreve ou o que lê, e conduz a mão sobre o papel, ou
volta as páginas do livro...
Quando ela veio de Portugal, era
loira e leve: parecia a `velida` de Dom Diniz, a `bem talhada´, a `delgada´, a
`muito alongada de gente´, bailando ´solo verde, ramo frolido´... Mas aqui, nos
trópicos, americanos, queimou-se de sol e amolentou-se no balanço das redes e
das palmas.
E eis, agora, regressa mais lânguida
e mais humana à sua pátria...
Viaja conosco uma passageira e
clandestina de volta a Portugal, seu país der origem.
Ela é a saudade.”
(Do livro “A
Revolução de 32”* ,
de Hernâni Donato)
*Embate militar entre gaúchos e paulistas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário