terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Fatos inusitados da Revolução de 32


O Dia da Pátria nas trincheiras



Buscando destruir-se, os exércitos alinhados na vale do Paraíba morriam e matavam em nome do amor pelo Brasil. Chegou o 7 de setembro. Paulo Duarte recolheu em Palmares pelo avesso o sucedido.

“Às 7 horas de uma fulva manhã, estava todo o QG nos esporões do morro do Canhão. A bandeira foi hasteada no centro e no ponto mais alto das linhas. Um pelotão de combatentes (paulistas) subiu em cima das trincheiras, na posição mais exposta ao fogo inimigo (gaúchos). Ao lado, formaram, em continência, todos os oficiais do comando (...).

O inimigo emudeceu como uma onça magnetizada por um foco de luz. Depois atônito, impulsionado por uma ordem irresistível, se pôs também de pé, no alto de suas posições, ao longe.

Enquanto isso, a bandeira subia e os clarins cantavam.

Os seis quilômetros que podíamos ver de nossas linhas alcançaram-se nas cristas a uma ordem geral que ninguém deu, mas todos ouviram e obedeceram. As trincheiras ficaram de pé, ao sol!

E a Mantiqueira viu dois exércitos adversários interromperem a batalha a prestar continência à mesma bandeira que só um deles desfraldou.

O pavilhão chegou ao alto do mastro, tremulando. Os clarins pararam.

O capitão Saldanha deu a voz de descansar armas. Mas o inimigo, voltado a si, quis comemorar a liberdade a seu modo.

Uma rajada grunhiu ao longe e assoviou sobre o nosso grupo, ainda no alto das trincheiras”.

A passageira clandestina


Quando o exército paulista viu que a revolução estava perdida, os oficiais superiores, políticos e alguns intelectuais resolveram se exilar. Foram todos, principalmente, para Portugal. E entre eles um poeta: Guilherme de Almeida. Durante a travessia, com data de 5 de novembro, escreveu em seu diário de bordo:

Não há mulheres a bordo? Há. Viaja conosco uma passageira clandestina, de volta a Portugal, seu país de origem.

Vive toda e sempre escondida. Nem a oficialidade, nem o pessoal de bordo, nem os agentes de polícia que nos espiam, nem a escolta que nos... que nos inveja – ninguém, ninguém notou ainda a sua presença entre nós, na prisão flutuante.

E, no entanto, ela está por toda a parte. E ela divide, a clandestina, por todos nós, o seu carinho santo, com piedade generosa de uma irmã de caridade. Vai de cabine em cabine, de mesa em mesa, de pensamento em pensamento. Senta-se no beliche, maternalmente, à cabeceira daquele que a insônia atormenta, e repete o gesto antigo que cobriu, como uma asa, o nosso berço; apóia-se, como uma cruz suavíssima, ao ombro daquele que, sentado num rolo de cordas da popa, finge olhar o crepúsculo exangue; debruça-se sobre o que escreve ou o que lê, e conduz a mão sobre o papel, ou volta as páginas do livro...

Quando ela veio de Portugal, era loira e leve: parecia a `velida` de Dom Diniz, a `bem talhada´, a `delgada´, a `muito alongada de gente´, bailando ´solo verde, ramo frolido´... Mas aqui, nos trópicos, americanos, queimou-se de sol e amolentou-se no balanço das redes e das palmas.

E eis, agora, regressa mais lânguida e mais humana à sua pátria...

Viaja conosco uma passageira e clandestina de volta a Portugal, seu país der origem.

Ela é a saudade.”

(Do livro “A Revolução de 32”*, de Hernâni Donato)

*Embate militar entre gaúchos e paulistas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário