A sedução da mentira
Por Cláudia Laitano
Ashley Flores tem 13 anos e está
desaparecida há duas semanas. Ela foi deixada na porta de casa pelos pais de
uma amiga, mas eles foram embora antes de ver se a menina tinha realmente
entrado em casa. Desde
então, ela nunca mais foi vista. Os amigos e a família estão mobilizados. O pai
é um engenheiro conhecido na cidade. Quanto mais gente souber do caso, mais
chances Ashley tem de ser encontrada.
Tomei conhecimento do drama de Ashley
e de sua família através de um grupo de amigas em uma rede de troca de
mensagens. Com uma rápida pesquisa no Google, o caso foi solucionado. Ashley
não estava desaparecida, e talvez nem mesmo tenha existido de verdade. Essa é
mais de uma daquelas histórias que rolam na internet já há alguns anos e de
tempos em tempos reaparecem nas redes sociais.
Mais rápida do que a pesquisa no
Google que resolve o problema é a descarga emocional que uma notícia desse tipo
provoca no coração de pais, mães, tios, avós. A notícia falsa vem acompanhada
da foto de uma menina que podia ser nossa filha, sobrinha, vizinha. Os
sentimentos de aflição e empatia são imediatos. E quanto mais intenso for o
sentimento mobilizado por uma história ou uma notícia – raivas, nojo,
compaixão... −, maiores as chances não apenas de acreditarmos no que está sendo
contado, mas de passarmos a mensagem adiante. É por isso que Ashley está
condenada a vagar pela internet até o fim dos seus dias, e dos nossos, como um
zumbi adolescente que apavora e comove ao mesmo tempo.
A revista científica Science publicou
há alguns dias um dos mais completos estudos sobre o poder de sedução das
notícias falsas nas redes sociais. Depois de analisar exaustivamente todo o
conteúdo publicado no Twitter entre 2006 e 2017, os pesquisadores do MIT
chegaram a algumas conclusões interessantes. A primeira delas é que as pessoas
parecem gostar mais de compartilhar as notícias falsas do que as verdadeiras.
Histórias como a da pobre menina Ashley tendem a se espalhar com muito mais velocidade
do que as noticias de verdade. Isso vale para tudo, da política à tecnologia,
dos negócios às lendas urbanas. Os robôs até ajudam a ampliar um boato – como
aconteceu por aqui, com a criminosa campanha contra a exposição Queermuseu −,
mas a adesão real é decisiva para que uma história falsa se espalhe.
Diante desses dados, o MIT tentou
investigar que traço da natureza humana torna as pessoas tão suscetíveis às
fake news, e a conclusão é de que temos um fraco por tudo que é novo,
surpreendente e terrível – como uma menina sequestrada na porta de casa. A boa
notícia, em ano de eleição, é que a pesquisa do MIT coloca em xeque a ideia de
que uma porção de notícias inventadas pode virar o jogo contra ou a favor de um
candidato. As mentiras são apenas uma parte de tudo que consumimos na internet,
e não necessariamente a maior parte.
Ninguém gosta de viver cercado de
mentiras por todos os lados. Desenvolver uma visão crítica com relação ao que
se lê e ao que se compartilha nas redes – e em casa, nas escolas e nos grupos
de mensagens – é tão urgente quanto foi, em determinada época, eliminar o
analfabetismo. Viver em rede exige um novo tipo de alfabetização para a
informação. E nessa matéria estamos todos levando bomba.
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