Dalton Trevisan
Dois pobres inválidos, bem
velhinhos, esquecidos numa cela de asilo.
Ao lado da janela, retorcendo os
aleijões e esticando a cabeça, apenas um podia olhar lá fora.
Junto à porta, no fundo da cama, o
outro espiava a parede úmida, o crucifixo negro, as moscas no fio de luz. Com
inveja, perguntava o que acontecia. Deslumbrado, anunciava o primeiro:
- Um
cachorro ergue a perninha no poste.
Mais tarde:
- Uma
menina de vestido branco pulando corda.
Ou ainda:
- Agora é um enterro de
luxo.
Sem nada ver, o amigo remordia-se no
seu canto. O mais velho acabou morrendo, para alegria do segundo, instalado
afinal debaixo da janela.
Não dormiu, antegozando a manhã. Bem
desconfiava que o outro não revelava tudo.
Cochilou um instante - era
dia. Sentou-se na cama, com dores espichou o pescoço: entre os muros em ruína,
ali no beco, um monte de lixo.
Texto extraído do livro “Mistérios de Curitiba”,
Editora Record - Rio
de Janeiro, 1979, pág. 110.
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