(13 de abril de 1921
– 16 de abril de 2018)
(Foto da IstoÉ Gente)
A cantora e compositora Dona Ivone
Lara morreu na noite de 16 de abril. Aos 97 anos, no Rio de Janeiro. Ela estava
internada desde a última sexta-feira, no dia que fez aniversário, no Centro de
Terapia Intensiva (CTI) da Coordenação de Emergência Regional (CER), no Leblon,
com um quadro de anemia.
O corpo foi velado na quadra da
Império Serrano, sua escola de coração, em Madureira, na zona Norte da cidade.
O sepultamento foi no cemitério de Inhaúma. A Portela, outra escola tradicional
de Madureira, divulgou nota chamando dona Ivone Lara de “Patrimônio da Império,
da Portela e da cultura brasileira”. Considerada um dos maiores nomes da música
popular brasileira, a cantora foi muito ligada aos compositores da Portela. Era
grande amiga de Candeia, Monarco e Paulinho da Viola, por exemplo.
Nascida em 13 de abril de 1921, no
Rio de Janeiro, bairro de Botafogo, com o nome de Yvone Lara da Costa, compôs seu primeiro samba aos 12 anos, “Tié,
tié”, depois de ganhar de seus primos um pássaro da espécie tié. A primeira
escola de samba de Dona Ivone Lara foi a Prazer da Serrinha, que começou a
frequentar em 1945 e para quem compunha sambas que eram assinados pelo seu
primo Fuleiro, devido ao preconceito que existia naquela época contra as
mulheres. Enfermeira e Assistente Social, trabalhou com pacientes que tinham
doença mental. Ingressou na Império Serrano em 1965. Entre suas composições
mais conhecidas estão “Sonho Meu” e “Acreditar”, sambas em parceria com Dèlcio
Carvalho.
(Correio do Povo,
abril de 2018)
Entrevista de Dona Ivone Lara à Camilla Gabriella da IstoÉ Gente
P.: Como é ser homenageada do Prêmio da Música Brasileira?
R.: Me sinto muito feliz. É muito bom saber que se lembraram de mim e reconheceram meu trabalho. É um sinal de que ainda estou viva, uma prova de que ainda estou atuante e, mais ainda, do valor que dão ao meu trabalho.
P.: A senhora é um dos nomes mais
importantes do mundo do samba. Acredita que tem um reconhecimento à altura?
R.: Não. Seria muita vaidade achar que sou reconhecida à altura.
P.: Foi com “Sonho Meu”, gravado
por Maria Bethânia e Gal Costa, que a senhora conseguiu reconhecimento
nacional. Quem ainda gostaria de ver interpretando uma composição sua?
R.: Roberto Carlos. Gosto muito dos shows e do modo dele
cantar.
P.: Ainda tem muitas composições que não foram gravadas?
R.: São inúmeras. Não sei quantas tenho e pretendo gravá-las.
P.: Que cantores costuma ouvir?
R.: Atualmente, estou ouvindo a moçada nova. Estão fazendo ótimas composições, tocando muito bem, estudando e levantando sempre a bandeira do samba.
P.: A senhora faz parte de uma
dinastia de mulheres do samba, ao lado de nomes como Clementina de Jesus, Clara
Nunes, Beth Carvalho e Jovelina Pérola Negra. Quem considera a herdeira do
legado dessas grandes damas?
R.: Todas que levantam a bandeira do samba são herdeiras.
P.: Ainda sente prazer em
assistir aos desfiles das escolas de samba? Já pensou em ser tema de enredo?
R.: Não! Pra mim já terminou. Eu não sonho porque já houve escolas de samba de médio e pequeno porte que fizeram homenagem a minha pessoa.
P.: O que gosta de fazer quando não está trabalhando?
R.: Descansar, ficar com minha família e fazer umas melodias.
P.: Muitos compositores ligados
ao samba enfrentam problemas financeiros. A senhora se considera bem
recompensada financeiramente?
R.: Nunca. É muito difícil um artista do gênero samba ter um bom reconhecimento financeiro, principalmente os compositores, que dependem das gravadoras e instituições de arrecadamento da música para sobreviver. Mas dá pra ter um conforto bom.
P.: Que sonho ainda gostaria de realizar?
R.: Nos meu 89 anos* de vida, já realizei todos. Mas é um sonho ter sempre mais saúde para poder fazer muitos shows.
P.: Tem alguma mágoa guardada nesses anos todos de carreira?
R.: Não tenho mágoa do samba. O samba só me trouxe felicidade e através dele pude realizar todos os meus sonhos.
P.: Por que muitos de seus sambas foram assinados por primos
seus, como Mestre Fuleiro?
R.: Antigamente, a mulher sofria mesmo muito preconceito. Quem assinava os sambas eram meus primos Fuleiro e Hélio. Minha família me proibia.
P.: A senhora já cantou “O samba
me fez bastante feliz / Até bodas de ouro com o samba eu já fiz”. O sentimento
de felicidade ainda é o mesmo?
R.: Sempre! Sou feliz porque ainda estou viva, tenho minha família, meus netos e um bisneto, me divirto com ele. Agradeço muito a Deus.
*89 anos tinha Dona Ivone Lara quando concedeu esta
entrevista.
A parceria do acaso
Um dia, num hotel, Hermínio Bello de
Carvalho (Rio de Janeiro, 28 de março de 1935) compositor,
poeta e produtor musical brasileiro, além de ativista Cultural na linha de valorização
da nacionalidade, entregou uma letra à Dona Ivone Lara para ver se ela podia
fazer alguma coisa. Dona Ivone Lara foi para seu quarto e, à noite, chamou
Hermínio dizendo que a música já estava pronta, e cantou a melodia abaixo, de
ambos, hoje grande sucesso nacional.
Mas quem disse que eu te esqueço
Dona Ivone Lara e
Hermínio Bello de Carvalho
Tristeza rolou dos meus olhos
do jeito que eu não queria,
e manchou meu coração,
que tamanha covardia.
Afivelaram meu peito
pra eu deixar de te amar,
acinzentaram minh'alma,
mas não cegaram o olhar. (bis)
Saudade, amor, que saudade,
que me vira pelo avesso,
que revira meu avesso.
Puseram uma faca no meu peito,
mas quem disse que eu te esqueço,
mas quem disse que eu mereço.
(bis)
P.S. Há, na internet, uma gravação
dessa música, onde cantam Dona Ivone Lara e Zeca Pagodinho. No final, eles improvisam vários versos que não constam em outras gravações.
Dona Ivone Lara por J
Bosco
“É a única certeza da
vida: morrer. Mas o artista não morre. Ele está em outro lugar, mas a música
continua viva na nossa memória e nas nossas relações. Ela foi amiga do meu pai.
Beijo Dona Ivone. Deus lhe receba de braços abertos.”
Zeca Pagodinho
“Dança das flores em nossos pensamentos em nossos pensamentos sempre.
Dona Ivone que faça uma boa viagem! Muita luz sempre. Obrigada por tanto.”
Elza Soares
“Dona Ivone Lara é gigante. Artista única. Sempre que eu estava triste eu cantava Alguém me avisou e, com o poder desses versos, pegava forças pra caminhar. Esse é um poder que poucas músicas têm, e são os versos dela que fazem isso. Obrigado, Dona Ivone. Descanse em samba.”
Lázaro Ramos
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