Déspota esclarecido
Viu a última do Dom
Pedro I? Pois ele quebrou o nariz e nunca o arrumou. A descoberta veio à
luz na semana passada graças à reconstituição
facial em 3D feita a partir de uma fotografia do crânio do imperador,
tomada em 2012 – tudo com autorização dos Orleans e Bragança. A bem da verdade,
o nariz não foi a única coisa que o bom Dom Pedro quebrou e não consertou – e
não só na cara. Do cavalo, ele caiu 36 vezes, embora fosse exímio (e
imprudente) cavaleiro. Figurativamente, o príncipe também se quebrou em outras
tantas ocasiões – sendo inclusive forçado a abdicar pelo mesmo “povo” que tanto
o idolatrara e pelo “bem” do qual (e “felicidade geral da nação”) ele havia
decidido ficar no Brasil em janeiro de 1822, naquele que foi o avant première
do Sete de Setembro, que faria dele nosso primeiro e adorado imperador. Dom
Pedro, de fato, foi amado – até porque sempre teve um lado amável.
Embora nascido em Portugal, chegou ao
Rio com 10 anos e virou um genuíno príncipe brasileiro – mais do que isso,
carioca. Andava de roupas de algodão e chapéu de palha, tomava banho nu na
praia do Flamengo, ria muito e zombava de quem quer que fosse. Foi mau aluno –
um péssimo latinista! −, mas excelente músico: tocava piano, violino fagote,
trombone, clarinete e cravo. Flertava ainda com um ritmo e um instrumento
malditos: o violão e o lundu, que aprendeu em lugares mal-afamados do Rio, como
a Taverna da Corneta, na Rua das Violas, onde conheceu aquele quer viria a ser
seu melhor amigo e secretário particular: Francisco Gomes da Silva, por alcunha
o Chalaça. Dom Pedro era um amante latino, com milhares de casos no
“currículo”; um dândi liberal que tomava o que gostava, fossem cavalos, mulheres
ou bebidas.
Dom Pedro I não era perfeito – nem
aperfeiçoável. Mas acreditava na liberdade e no liberalismo e sempre entendeu
que, para se “aperfeiçoar”, qualquer governo não podia prescindir de oposição e
de liberdade de imprensa, que ele sempre prezou, até porque foi um jornalista
panfletário e polêmico, que publicava artigos inflamados contra seus
adversários, sob vários pseudônimos, tais como O Inimigo dos Marotos, Piolho
Viajante, o Anglo-Maníaco e O Derrete Chumbo a Cacete.
Sempre gostei de Dom Pedro I – desde
os bancos escolares e ainda mais depois de tanto ler sobre ele, por dever de
ofício. Mas não foi por simpatia – nem por ele nem por nenhum de seus herdeiros
– que quase acabei sufragando pela volta da monarquia naquele plebiscito um
tanto patético de 1993.
(...)
(Excerto de um texto
de Eduardo Bueno, em ZH, abril de 2018)
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