sábado, 26 de maio de 2018

O defeito do burro

Por Leonardo Motta


O coronel Tomás Barbosa precisava comprar em Canindé um burro novo e possante. Era ao tempo em que automóveis e caminhões não faziam ainda o transporte de mercadorias, recebendo-as ou deixando-as à margem da ferrovia, em Itaúna. Indo à povoação de Campos Belos, o coronel Tomás indagava se poderia adquirir ali um animal nas condições referidas.

− Eu tenho um, seu coronel − ofereceu o Miguel Carpina.

− É burro novo, ou é burro de idade?

− É novo, novo!

− É forte?

− Forte? Como não conheço outro! Carga de oito arrouba pra ele é brincadeira de menina feme. E dá-se disso: o bicho está gordo que está de rego aberto, é uma peça famosa e não tem pisadura nem nas sarneias, nem no espinhaço. Até pra sela ele serve. Não é passarinheiro e, quando acaba, passeiro assim mão vejo outro. Burro andador! Quanto mais anda, mais tem vontade de andar! Não há caminho que chegue...

− E onde está ele?

− No cercado. É perto. O senhor querendo eu mando buscar. Comprou, comprou; se não comprar, não veio agravo.

− Pois mande buscar.

Meia hora mais tarde, o gabado solípede era apresentado ao coronel Tomás Barbosa. Efetivamente, era um burro novo, grande e gordo. Cardão, que é a cor dos animais resistentes. Tinha, porém, um defeito. Ainda novinho, uma bicheira lhe levara metade do beiço superior. O coronel Tomás Barbosa viu isso e não quis negócio:

− Ora, Miguel, seu burro é defeituoso; falta-lhe metade dum beiço... Por que você não me disse isso logo?

− Eu não disse, seu Coronéu, porque eu tava na mente que Vossa Senhoria queria era um burro pra carregar carga. Agora é que estou vendo que Vamincê quer é um burro pra assobiar.


(Do “Almanhaque do Barão de Itararé”, de 1949)

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