sábado, 5 de maio de 2018

O verso polêmico de um samba-canção


Pagar - mostrar - matar

Considerado musicalmente superior, “Folha morta” (de Ary Barroso) saiu em disco pela primeira vez com Dalva de Oliveira, (...) Tão logo foi lançada, “Folha morta” entrou para a lista dos maiores êxitos da cantora que mais entendia do riscado exposto na letra desafortunada.

Tanto Dalva quanto Jamelão, que também gravou “Folha morta”, incorreram num erro, cantando “pra mostrar minhas penas” ao invés de “pra pagar minhas penas”, que dá sentido à letra do autor. Quando Jamelão, muito animado, foi mostrar ao compositor o disco que acabara de sair, Ary, sempre inflexível quanto à falta de rigor dos cantores em geral, desferiu sem dó nem piedade: “Você tem razão. A gravação está excelente. Mas eu não posso ʽmostrarʼ minhas penas, Jamelão! Não sei se você percebeu, eu não tenho penas, Jamelão! Eu sou um animal emplume, Jamelão!”

Folha morta

(Como foi escrita por Ary Barroso)

Sei que falam de mim,
Sei que zombam de mim.
Oh, Deus, como sou infeliz!
Vivo à margem da vida,
Sem amparo ou guarida.
Oh, Deus, como sou infeliz!

Já tive amores, tive carinhos,
Já tive sonhos.
Os dissabores levaram minh'alma
Por caminhos tristonhos.

Hoje sou folha morta
Que a corrente transporta.
Oh, Deus, como sou infeliz!
Eu queria um minuto apenas
Pra pagar minhas penas
Oh, Deus, como sou infeliz!

Folha Morta

(Cantada por Jamelão)

Sei que falam de mim,
Sei que zombam de mim.
Oh, Deus, como eu sou infeliz!
Vivo à margem da vida,
Sem amparo ou guarida.
Oh, Deus, como eu sou infeliz!

Já tive amores, tive carinhos,
Já tive sonhos.
Os dissabores levaram minh'alma
Por caminhos tristonhos.

Hoje sou folha morta,
Que a corrente transporta.
Oh, Deus, como sou infeliz! Infeliz!
Eu queria um minuto apenas
Pra mostrar minhas penas,
Oh, Deus, como eu sou infeliz!

Numa de suas mais admiráveis interpretações, Nelson Gonçalves gravou depois “Folha morta” no álbum Tudo de mim. Corrigindo parcialmente o engano, matou as penas: “Eu queria um minuto apenas/Pra matar minhas penas/Oh, Deus, como eu sou infeliz”. Nelson escapou da impertinência de Ary, que já não estava mais entre nós.

Folha Morta

(Cantada por Nelson Gonçalves)

Sei que falam de mim,
Sei que zombam de mim,
Oh, Deus, como sou infeliz!
Vivo à margem da vida,
Sem amparo ou guarida.
Oh, Deus, como sou infeliz!

Já tive amores, tive carinhos,
Já tive sonhos.
Os desenganos* levaram minh′alma
Por caminhos tristonhos.

Hoje sou folha morta,
Que a corrente transporta.
Oh, Deus, como sou infeliz! Infeliz!
Eu queria um minuto apenas
Pra matar minhas penas,
Oh, Deus, como sou infeliz!


*Na letra original: dissabores.

Fonte de pesquisa:
Livro “Copacabana – A trajetória do samba-canção”,
de Zuza Homem de Mello
  
P.S.: As gravações com Dalva de Oliveira, Jamelão e Nelson Gonçalves estão disponíveis na internet.

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