Primeiro dia de aula é braço de
ferro. Ou você conquista a classe, dobra os provocadores e convence a turma de
que vale a pena assistir ao seu curso... ou é melhor voltar para casa por um
ano. Os dez ou quinze minutos iniciais são decisivos. Você tem de jogar tudo:
charme, humor e informação. Uma noite...
- Professor!
No meio da introdução, o gaiato lá do
fundão me interrompeu.
- Eu vou embora. Já vi que
o senhor não tem nada para me ensinar.
Menino bem-vestido, fantasiado de
contato, o pentelho levava toda a pinta de quem já estava na profissão. Dar um
esporro, chutar o herói porta afora... nada disso resolveria a provocação. A
classe, muda, esperava a minha reação. Fiz a melhor cara de uai do meu
repertório, deixei o giz no quadro-negro, limpei as mãos e, sem olhar para o
sabichão, fui me sentar na carteira vaga mais próxima. Gelo geral. Um minuto,
dois... eu nem aí. O bzzzzzz começou. Quando a zoeira estava bem forte, eu
levantei o braço. Novo silêncio pesado.
- Estou esperando a aula,
mestre! Adoro voltar a ser aluno quando aparece alguém que sabe mais do que eu.
Vai lá! A classe é sua...
A bola não estava mais comigo. Todo
mundo ficou de olho no carinha. Quando senti que ele estava a nocaute, voltei
para a frente e toquei a aula. No final, ele veio se desculpar. Tomou a lição,
mas não se emendou. O moleque era mesmo muito metido. Fez carreira de aspone
(assessor de porra nenhuma), meteu-se a jornalista, entrevistou poderosos,
ganhou alguma notoriedade e acabou sendo, por algum tempo, presidente de uma
estatal! O que prova apenas que políticos, de um modo geral, são muito mal-informados
e têm estômago de aço.
Hienas e governantes têm hábitos alimentares semelhantes.
(Carlos Queiroz
Telles, no livro “Tirando de Letra”)
Obs: O escritor e publicitário
Carlos Queiroz Telles foi professor de redação publicitária na Faculdade de
Comunicação da FAAP.
IDENTIDADE
Cabelos molhados,
sol encharcado,
pele salgada,
vento nos olhos,
areia nos pés.
sol encharcado,
pele salgada,
vento nos olhos,
areia nos pés.
O corpo sem peso
é nuvem à-toa.
O tempo inexiste.
a vida é uma boa!
é nuvem à-toa.
O tempo inexiste.
a vida é uma boa!
Mergulho na água
azul deste céu.
Sou peixe de ar.
Sou ave de mar.
azul deste céu.
Sou peixe de ar.
Sou ave de mar.
Mergulho em mim mesmo,
silêncio profundo.
Sou eu e sou Deus
de passagem no mundo,
nadando sem rumo
entre conchas e paz.
silêncio profundo.
Sou eu e sou Deus
de passagem no mundo,
nadando sem rumo
entre conchas e paz.
(Carlos Queiroz Telles;
“Sonhos, grilos e paixões”.
São Paulo: Moderna, 1990. p. 38.)
São Paulo: Moderna, 1990. p. 38.)
Poeta e dramaturgo, nasceu em São Paulo , em 1936. Na
Faculdade de Direito da USP, onde se formou, participou da fundação do Grupo de
Teatro Oficina. Trabalhou em publicidade, dedicou-se ao magistério e à criação
de programas para televisão. Tem mais de 50 obras editadas e mais de duas
dezenas de peças teatrais encenadas no Brasil. No exterior, seus textos
"Muro de Arrimo" e "Marly Emboaba" já foram encenados em
mais de 20 países. Pelos seus trabalhos, recebeu inúmeros prêmios. Faleceu em
1993.
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