domingo, 1 de julho de 2018

Amor de vô



Um avô me parou esses dias no final de uma palestra.

“Se você acha que amor de pai é grande, espere até se tornar vô”, disse. Duvidei. Amor de pai é tão grande, ter filhos dá tanto trabalho, exige tanta dedicação, que amamos nossas obras como se fosse o projeto de nossas vidas. “Mas depois de ser vô você percebe que não deveria ter se preocupado tanto. Amor de vô é amor puro, compreensivo e afetuoso. A gente olha por nosso filho, pensa em tudo que errou e tenta acertar com o neto”, contou o senhor. “A gente aprende que ser duro demais ou preocupado demais ou estressado demais com dinheiro é bobagem”, disse. “Amor de vô é puro amor, sem preocupações bobas.”

Realmente, tenho tantas preocupações bobas. Obrigo as meninas a comerem todo o almoço. Exijo que ponham os pratos na pia. A mais velha lava a louça, a mais nova, às vezes, seca (apenas os itens de plásticos, já quebrou copos demais). Peço que digam “por favor”, “com licença”, “obrigado”. Regulo o tempo vendo televisão. Cobro desempenho escolar. Não permito doce antes das refeições. Insisto para que lavem as mãos e escovem os dentes. Sou chato! Terrível! O pior pai do mundo!

Já ouvi mais de uma vez, de diversas pessoas: “Todo amor que meu pai não me deu agora dá para meus filhos”. Os netos parecem ser a redenção para pais que amaram de menos, trabalharam demais, foram duros e insensíveis. Agora se derretem com os bebês dos filhos. “Devia ter sido mais relaxado”, parecem dizer.

Tenho medo de que minhas filhas sejam fúteis, comprometidas apenas com o próprio bem-estar sem olhar ao redor. Tenho medo de que valorizem o material, que não façam bons amigos. Quero que sejam bem-sucedidas na profissão que escolherem, é claro, e não sofram desilusões amorosas. Sou estressado demais, sem dúvida. Preocupado demais. Devo ser menos pai e mais vô? Ou cada um tem a sua função? Devo estressar minhas filhas para que sejam boas e cumprir minha função de avô mimando meus netos? Terei netos? Ou ficarei esperando em vão o momento de amar crianças sem preocupações, como aquele avô me disse ser possível?

Amor de pai e mãe é cheio de culpa. Não sabemos nunca se estamos certos. Não sabemos se estamos mimando demais ou abraçando de menos. Se estamos formando anjos ou monstrinhos. Se seremos pais orgulhosos ou envergonhados. A insegurança não acompanhará por anos. Até que nossos filhos cresçam e nos mostrem onde erramos e onde acertamos. Nossos netos serão nossa redenção.
  
(Texto de Marcos Piangers, para o jornal Zero Hora, 
junho de 2018)

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