quarta-feira, 11 de julho de 2018

Estudante Alsaciano



Antigamente, a escola era risonha e franca.
Do velho professor, as cãs, a barba branca
Infundiam respeito, impunham simpatia,
Modelando as feições do velho que sorria
E era como criança em meio às crianças.
Como ao pombal voando em bando
As pombas mansas corriam para a escola;
E nem sequer assomo e aversão ou desgosto,
Ao ir para ali como quem vai para uma festa.
Ao começar o estudo, eles, sem um pesar,
Abandonavam tudo,
E submissos, joviais, nos bancos em fileiras,
Iam todos sentar-se em frente das carteiras,
Atenta, gravemente - uns pequeninos sábios.
Uma frase a animar aquele bando imbele,
Ia ensinando a este, ia emendando àquele,
De manso, com carinho e paternal amor.

Por fim, tudo mudou. Agora o professor,
Um grave pedagogo, é austero e conciso;
Nunca os lábios lhe abriu a sombra dum sorriso
E aos pequenos mudou em calabouço a escola
Pobres aves, sem dó metidas na gaiola!
Lá dentro, hoje, o francês é língua morta e muda:
Unicamente o alemão ali se fala e estuda,
São alemães o mestre, os livros e a lição;
A Alsácia é alemã; o povo é alemão.
Como na própria pátria é triste ser proscrito!
Frequentava também a escola um rapazito
De severo perfil, enérgico, expressivo,
Pálido, magro, o olhar inteligente e vivo
Mas de íntima tristeza aquele olhar velado,
Modesto no trajar, de luto carregado...
Pela pátria talvez! - Doze anos só teria.
E o mestre, uma vez, chamou-o à Geografia:

- Dize-me cá, rapaz... Que é isso? Estás de luto?
Quem te morreu?
- Meu pai, no último reduto, em defesa da pátria!

- Ah! Sim... Bem sei. Adiante...
Tu tens assim um ar de ser bom estudante.
Quais são as principais nações da Europa? Vá!
- As principais nações são... a França...

- Hei? Que é lá? Com que então
A França é a primeira!
Bom começo!

De todas as nações, pateta, que eu conheço,
Aquela que mais vale e que domina o mundo,
Nas grandes concepções e no saber profundo,
Em riqueza e esplendor, nas letras e nas artes,
Que leva o seu domínio às mais remotas partes,
A mais nobre na paz, a mais forte na guerra,
Donde irradia a ciência a iluminar a terra,
A maior, a mais bela, a que das mais desdenha,
Fica-o sabendo tu, rapaz, é a Alemanha!

Ele sorriu com ar desprezador e altivo,
A cabeça agitou num gesto negativo,
E tornou com voz firme:
- A França é a primeira!
O mestre, furioso, ergue-se da cadeira,
Bate o pé, e uma praga enérgica lhe escapa.
- Tu sabes onde está a França? Aponta-a no mapa!
O aluno ergue-se, então, os olhos fulgurantes,
O rosto afogueado; e enquanto os demais estudantes
Olham cheios de assombro aquele rapaz destemido,
Ante o mestre, nervoso, audaz e comovido,
O covarde feito herói, pigmeu tornado atleta,
Desabotoando, febril a sua blusa preta,
E batendo no peito, impávida, a criança exclama:
- É aqui! É aqui dentro que está a França!

Acácio Antunes


Acácio Antunes

Nome completo Acácio Graciano Antunes Brás. Para além da sua veia poética (um dos seus poemas foi declamado na festa de inauguração do Teatro-Circo Saraiva de Carvalho - hoje Cassino Figueira), foi um ilustre jornalista e autor teatral, publicando mais de meia centena de obras. Faleceu em Lisboa, em 2 de abril de 1927.

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