segunda-feira, 27 de agosto de 2018

A Nau Catarineta



A lenda da Nau Catarineta foi recolhida no Rio Grande do Sul, por Kosseritz, Apolinário e Cezimbra Jacques. Augusto Meyer a estuda no seu “Guia”, mas, antes, o Monsenhor Mariano da Rocha escreveu um bom trabalho a respeito dela. Renato da Rocha examinou o assunto, esgotando-o e Luis da Câmara Cascudo a acolhe no seu Dicionário, apreciando suas diversas áreas. Foi ainda, considerada por esse último, como o poema anônimo de biografia mais alentada. O seu nome, “Nau Catarineta” é que possui origens controversas, pois poderia derivar da própria embarcação, ou ainda do Romance de Santa Catarina, de origem espanhola.

Ouçam, meus senhores todos,
Uma história de espantar!
Lá vem a nau catarineta
Que tem muito que contar.

Há mais de um ano e um dia
Que vagavam pelo mar:
Já não tinham o que comer,
Já não tinham o que manjar!

Deitam sortes à ventura
Quem se havia de matar:
Logo foi cair a sorte
No capitão-general!
− Tenham mão, meus marinheiros!
Prefiro ao mar me jogar!

Antes quero que me comam
Ferozes peixes do mar
Do que ver gente comendo
Carne do meu natural!

Esperemos um momento,
Talvez possamos chegar.
Assobe, assobe, gajeiro,
Naquele mastro real!

Vê se vês terras de Espanha,
E areias de Portugal!
− Não vejo terras de Espanha
E areias de Portugal!

Vejo sete espadas nuas
Que vêm para vos matar!
− Vai mais acima, gajeiro,
Sobe no tope real!
Vê se vês terras de Espanha,
Areias de Portugal!

− Alvíssaras, capitão,
Meu capitão-general!
Já vejo terras de Espanha,
Areias de Portugal!
Enxergo, mais, três donzelas,
Debaixo de um laranjal!

Uma, sentada a coser,
Outra na roca, a fiar,
A mais mocinha de todas
Está no meio, a chorar!

− Todas três são minhas filhas:
Ah quem me dera as beijar!
A mais mocinha de todas
Contigo a hei de casar!

− Eu não quero a vossa filha,
Que vos custou a criar!
− Dou-te o meu cavalo branco
Que nunca teve outro igual!
− Não quero o vosso cavalo,
Meu capitão-general!

− Dou-te a nau catarineta
Tão boa em seu navegar!
− Não quero a catarineta,
Que naus não sei manobrar!

− Que queres então, gajeiro?
Que alvíssaras hei de dar?
− Capitão, eu sou o diabo
E aqui vim pra vos tentar!

O que eu quero, é vossa alma
Para comigo a levar!
Só assim chegais a porto,
Só assim vos vou salvar!

− Renego de ti, demônio,
Que estavas a me tentar!
A minha alma, eu dou a Deus,
E o meu corpo eu dou ao mar!

E logo salta nas águas
O capitão-general!
Um anjo o tomou nos braços,
Não o deixou se afogar!
Dá um estouro o demônio,
Acalmam-se o vento e o mar,
E à noite a catarineta
Chegava ao porto do mar!

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