Dois zeladores do Fórum local, muito
caipiras, mas extremamente observadores, numa certa manhã de pouco serviço,
depois de vinte anos de trabalho no local, habituados aos linguajares forenses,
mas nem sempre conhecendo o significado dos termos, postaram-se a prosear:
- Compadre João, hoje
amanheci agravado. Tentei embargar esse meu sentimento retido, até que decaí.
“Cassei” uma forma de penhorar uma melhora, arrestar um alento, sequestrar um
alívio, mas a dor fez busca e a apreensão da minha felicidade. Tive uma
conversa sumária com a minha filha sobre o ordinário do noivo dela. Disse que
vou levar aquele réu pro Fórum, seja em que foro for. Vou pedir ao Juízo, ao
Ministério Público, de qualquer instância ou entrância. Não importa a
jurisdição, mas esse ano aquele condenado casa.
- Calma, compadre Pedro −
interrompeu o zelador João. Preliminarmente, sem querer contestar ou impugnar
sua inicial, aconselho o senhor a dar uma oportunidade de defesa para o
requerido − atente para o contraditório. Eu até dou pro senhor uma
jurisprudência a respeito: minha filha tinha, também, um namorado contumaz,
quase revel. O caso deles, em comparação ao da sua filha, é litispendência
pura; conexão, continência. E eu consegui resolver o incidente. Acho que o
senhor tá julgando só com base na forma, sem analisar o mérito.
O zelador Pedro, após ouvir, retrucou:
- Mas, compadre, não tem
jeito. O indiciado não segue o rito: se eu mostro razão, ele contrarazoa; se eu
contesto, ele replica. Pra falar a verdade, tô perdendo a contrafé. Achei que,
passada a fase instrutória, depois da especificação, a coisa fosse melhorar.
Mas não. Já tentei de toda forma sanear a lide − tudo em vão. Baixei , outro
dia, um provimento, cobrando custas pelo uso do sofá lá de casa, objeto
material que os dois usam de madrugada. No entanto, ele, achando interlocutória
minha decisão, apelou, e disse que não paga nem por precatório... Aí eu perdi
as estribeiras: desobedeci o princípio da fungibilidade e deixei de receber o
recurso...
- Nossa, compadre, o senhor
chegou a esse ponto? − indagou o zelador João, que continuou: − Mas, compadre,
o bem tutelado é sua filha − releve. Faça o seguinte, compadre Pedro: marque
uma audiência, ouça testemunhas e nomeie perito. Só assim vamos saber se a
menina ainda é moça. Se houve atentado ao pudor ou se a sedução se consumou.
Pedro ouvia
atento, quando interferiu:
- É mesmo, compadre. Se ele
não comparecer, busco debaixo de vara; ainda assim, se não encontrar ele,
aplico a confissão ficta. Quando eu lembro que ele tá quase abandonando a
causa... Minha filha naquela carência, e o suplicado sem interesse; ela com
toda legitimidade, e ele só litigando de má-fé.
- Isso mesmo, compadre
Pedro − apoiou João, que completou: − O processo deve ser esse. O procedimento
escolhido é o mais certo. Mas, antes de sentenciar, inspecione e verifique se
tudo foi certificado. Dê um prazo peremptório, veja o direito substantivo e
procure algum adjetivo na conduta típica do elemento. Cuidado para não haver
defeito de representação, pois do contrário, tudo pode ser baixado em diligência. Só tem
um problema − ponderou: − É que a comadre é uma tribunal − o senhor é “a quo” e
ela é “ad quem”... Se sua mulher der apoio ao rapaz, tá tudo perdido: baixa um
acórdão já transitado em julgado, encerra a atividade jurisdicional do senhor e
manda tirar o nome do moço do rol dos culpados, incluindo o compadre.
- É... É, compadre − disse
Pedro desanimado. O senhor tem razão. Eu vô é largar mão dessa minha
improcedência, refrescar meus memoriais, e extinguir o caso, arquivando o
feito, com baixa na distribuição. Acho, até, com base na verdade real, que a
questão de fundo da menina já foi sucumbida pelo indiciado. Não cabe nem
rescisória.
E no
mesmíssimo momento, exclamaram os compadres:
- “Data
vênia!”
(Autor desconhecido)
Errata: Onde digo “digo”, eu não digo “digo”, quero dizer
Diogo.
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