sábado, 8 de setembro de 2018

O Velho Jornaleiro



Nem sei bem como este quadro veio parar na parede do meu gabinete de trabalho. Talvez tenha sido presente de algum amigo, talvez eu mesmo o tenha comprado em algum mercado de quinquilharias por pura curiosidade, pois sou completamente analfabeto na arte da pintura. Mas sempre tive especial predileção pela imagem do velho jornaleiro vestido de preto, com uma pilha de jornais amassados em cada braço, gritando (a imagem impressionista grita) a manchete de seu produto. Trata-se, evidentemente, da reprodução de uma pintura antiga, anônima para mim, até pouco tempo atrás, mas sempre inspiradora.

Pois, dias desses, cismei em descobrir sua identidade. Depois de muito investigar, sem sucesso, resolvi fotografar o quadro e jogar o resultado no Google Imagens. Bingo! Meu querido companheiro de jornadas é um personagem de Giovanni Boldini, pintor italiano do século 19, que viveu em Paris, onde retratou este Il Giornalaio (O Jornaleiro) em 1878. O quadro tem, portanto, 140 anos − e me parece mais atual do que nunca. Aqueles jornais amassados, alguns até rasgados, retratam exemplarmente a brava luta de sobrevivência dos impressos num mundo cada vez mais digital.

Quando duas centenas de publicações norte-americanas fecharam há cerca de 10 anos, a consultoria Future Exploration Netwok, que orienta a estratégia de grandes organizações empresariais, elaborou um cronograma de extinção dos jornais no mundo. O primeiro país a abolir definitivamente o formato impresso seria exatamente os Estados Unidos − em 2017, vejam só! Muitos diários realmente deixaram de existir, devido à queda de receita publicitária e de circulação. Mas vários sobrevivem e até sustentam as experiências digitais de suas empresas. Talvez os funestos previsores tenham se esquecido de incluir nos seus cálculos o fator credibilidade, que se tornou um diferencial dos impressos na comparação com a multifacetada indústria digital.

No caso do Brasil, a sentença de morte está programada para 2027. Não ouso desdenhar, mas o esforço, o compromisso ético e a criatividade dos meus colegas de ofício, que se reinventam todos os dias, me fazem crer que o veterano jornaleiro parisiense da pintura de Boldini ainda continuará inspirando os meus textos por muito tempo. Não seu se estou imaginando coisas, mas agora mesmo parece que ele está gritando, em bom francês, “nous survivrons!”. Vamos sobreviver, sim, meu desconhecido e centenário amigo.

Nilson Souza, em Zero Hora, setembro de 2018


Giovanni Boldini (Ferrara, 31 de dezembro de 1842Paris, 11 de julho de 1931) foi um pintor acadêmico italiano. Sob a direção do pai, restaurador e pintor, Giovanni aproxima-se da pintura por meio de uma acentuada atenção aos grandes mestres do Renascimento e da maniera de Cosme Tura e Dosso Dossi




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