Nem sei bem como este quadro veio
parar na parede do meu gabinete de trabalho. Talvez tenha sido presente de
algum amigo, talvez eu mesmo o tenha comprado em algum mercado de
quinquilharias por pura curiosidade, pois sou completamente analfabeto na arte
da pintura. Mas sempre tive especial predileção pela imagem do velho jornaleiro
vestido de preto, com uma pilha de jornais amassados em cada braço, gritando (a
imagem impressionista grita) a manchete de seu produto. Trata-se,
evidentemente, da reprodução de uma pintura antiga, anônima para mim, até pouco
tempo atrás, mas sempre inspiradora.
Pois, dias desses, cismei em
descobrir sua identidade. Depois de muito investigar, sem sucesso, resolvi
fotografar o quadro e jogar o resultado no Google Imagens. Bingo! Meu querido
companheiro de jornadas é um personagem de Giovanni Boldini, pintor italiano do
século 19, que viveu em Paris, onde retratou este Il Giornalaio (O Jornaleiro) em 1878. O quadro tem, portanto, 140
anos − e me parece mais atual do que nunca. Aqueles jornais amassados, alguns
até rasgados, retratam exemplarmente a brava luta de sobrevivência dos
impressos num mundo cada vez mais digital.
Quando duas centenas de publicações
norte-americanas fecharam há cerca de 10 anos, a consultoria Future Exploration
Netwok, que orienta a estratégia de grandes organizações empresariais, elaborou
um cronograma de extinção dos jornais no mundo. O primeiro país a abolir
definitivamente o formato impresso seria exatamente os Estados Unidos − em 2017,
vejam só! Muitos diários realmente deixaram de existir, devido à queda de
receita publicitária e de circulação. Mas vários sobrevivem e até sustentam as
experiências digitais de suas empresas. Talvez os funestos previsores tenham se
esquecido de incluir nos seus cálculos o fator credibilidade, que se tornou um
diferencial dos impressos na comparação com a multifacetada indústria digital.
No caso do Brasil, a sentença de
morte está programada para 2027. Não ouso desdenhar, mas o esforço, o
compromisso ético e a criatividade dos meus colegas de ofício, que se
reinventam todos os dias, me fazem crer que o veterano jornaleiro parisiense da
pintura de Boldini ainda continuará inspirando os meus textos por muito tempo. Não
seu se estou imaginando coisas, mas agora mesmo parece que ele está gritando,
em bom francês, “nous survivrons!”. Vamos sobreviver, sim, meu desconhecido e
centenário amigo.
Nilson Souza, em Zero Hora , setembro de
2018
Giovanni Boldini (Ferrara,
31 de
dezembro de 1842
− Paris,
11 de julho
de 1931)
foi um pintor acadêmico italiano. Sob a direção do pai, restaurador e pintor, Giovanni
aproxima-se da pintura
por meio de uma acentuada atenção aos grandes mestres do Renascimento
e da maniera de Cosme Tura e Dosso Dossi.
Nenhum comentário:
Postar um comentário