Garrincha por Baptistão
Os ossos de Garrincha desapareceram
no cemitério de Raiz da Serra, distrito de Magé (RJ). Parece que, há tempos,
alguém precisou de seu túmulo para enterrar uma parenta e o removeram para lugar
não sabido. Não está claro se isso aconteceu com conhecimento ou autorização de
suas filhas − é difícil extrair delas um pensamento coerente.
Mas um fato como este traz de volta o
velho mito nacional que Garrincha morreu abandonado. Nossa vocação para o
coitadismo precisa de um modelo, e Garrincha se presta bem a ele. A verdade, no
entanto, é outra: Garrincha não morreu abandonado. E foi ajudado por muita
gente − exceto por si mesmo.
Ninguém o ajudou mais que Elza
Soares. Desde 1962, quando se conheceram, ela tentou organizar seus contratos e
finanças, lutou para que não bebesse, escondeu seus porres e levou-o para
clubes, cidades e países onde ainda acreditassem nele. Elza criou para
Garrincha o “jogo da gratidão” no Maracanã, em dezembro de 1973, em que 131.555
pessoas pagaram ingresso, e a renda se destinou a casa para as filhas dele.
Elza deu a Garrincha até um filho homem. Mas, ao fim de 15 anos, em 1977,
separou-se − ou também seria destruída.
Garrincha foi ajudado por um
empresário, um banqueiro, um juiz, o Itamaraty, o IBC (Instituto Brasileiro do
Café), a LBA (Legião Brasileira de Assistência), a AGAP (Associação de Garantia
ao Atleta Profissional) e até pela CBF, presidida por Giulite Coutinho. Médicos
e psicólogos dedicaram-lhe tempo integral, sem cobrar; Garrincha foi assistido
pelos grupos de Alcoólicos Anônimo do Catete e de Bangu e por jornalistas e ex-jogadores
seus amigos; e, em seus últimos três anos, foi internado pelo menos 18 vezes em
clínicas psiquiátricas.
Todos queriam salvá-lo, mas de nada
adiantou. Garrincha foi vítima da brutal ignorância brasileira sobe o
alcoolismo.*
(Do livro “A arte de
querer bem”, de Ruy Castro)
* Garrincha faleceu aos 49 anos em 20 de janeiro de 1983,
vítima de cirrose...
Triste fim.
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